Do lado de lá


Por Júlia Pessôa

08/04/2018 às 07h00

Eu sempre tento falar aqui sobre o que une e agrega. Sobre empatia, enxergar-se na dor do outro. Tento falar sobre igualdade, em diversos níveis, e sobre, como disse na semana passada, o direito de não ser assassinado é inalienável e universal – e é o mínimo que se espera de nós como humanidade,embora estejamos falhando miseravelmente como tal. Escrevo incansavelmente sobre a luta diária de tornar-se mulher, pelo direito ao próprio corpo e à própria mente, e também por direitos e oportunidades iguais. Mas hoje não. Hoje quero segregar, traçar uma linha, criar uma fronteira, separar, dividir, distanciar.

Já há algum tempo (ousaria dizer alguns anos), acordamos – todos nós, por motivos diametralmente opostos –  pelo menos algum dia da semana (ou vários) com um sapo entalado na garganta. Posso falar sobre quem fica do meu lado da linha: gente amarrada no poste, homem gozando em mulher dentro do ônibus (duas vezes), a população LGBT sendo violentada de mil formas, impeachment sem crime, ônibus baleado, execução por silenciamento (tiro na culatra) , abuso de poder e de autoridade, genocídio da população negra, criminalização da pobreza e a comemoração da prisão de um ex-presidente como se fosse o fim da corrupção no país, entre muitas, muitas outras desesperanças. Ah, claro, não podemos nos esquecer: a seção de comentários, uma amostra de pulsão de morte disponível em qualquer portal.

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Sei que pra quem está do lado de lá também não deve estar fácil. Deve ser insuportável ver tantas vozes que historicamente foram silenciadas ecoando, e cada vez mais alto. Deve dar um medão de ver tantas minorias se empoderando, tanto quanto o ranço e as reviradas de olho só de ouvir a palavra empoderamento. Pois vai mais uma vez: em-po-de-ra-men-to. Esse caminho longo, árduo, porém irreversível que leva à emancipação individual, e também à consciência coletiva necessária para a superação da dependência social e da dominação política. Imagina se essa gente empoderada se liberta? Deve dar um pavor mesmo em quem se borra de medo de perder seus privilégios.

Se tenho uma certeza, é que as coisas ainda vão piorar muito. E quando o pau cantar, sei que vão tentar emplacar a máxima mambembe de “é hora de unir bandeiras e discursos”, “não é momento de segregação”, e o pleonasmo cara-de-pau “todos queremos um Brasil melhor.” Mas aí não. Quem está na banda de cá quer que o Brasil saia desse esgoto eterno em que se enfiou sim, é óbvio. Mas aqui não tem lugar pra fascista, racista, machista, classista e todos e quaisquer propagadores do ódio e da violência.

“Unir discurso” é o escambau, não marcharemos ao lado de opressores. Venceremos? Talvez não – desculpem, tenho andado pessimista. Mas se a derrota for consumada e os sonhos, enfim morrerem, seguirei firme na certeza de Darcy Ribeiro: “Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu.”

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