Entenda o autismo e conheça a luta de mães para inserir seus filhos na sociedade

Para marcar o Dia Mundial de Conscientização do Autismo, nesta segunda-feira, 2, a Tribuna entrevistou mães que convivem com o transtorno no dia a dia de seus filhos


Por Bárbara Riolino

01/04/2018 às 07h00- Atualizada 02/04/2018 às 09h06

Beth comemora cada avanço da filha Maria Clara, que evolui graças a terapias e muito amor e persistência. (Foto: Marcelo Ribeiro)

Há 23 anos, a securitária Beth Reis dava à luz o seu segundo filho, uma menina, a qual batizou de Maria Clara. Com a experiência de já ter sido mãe, notou que a menina era muito diferente do seu irmão, três anos mais velho. Não era na aparência, mas na forma como interagia com as coisas. Os anos foram passando, e ela percebia que Maria Clara ainda não tinha esboçado nenhum som, o que a fez questionar o pediatra. Depois de passar por muitos especialistas, Beth teve o diagnóstico: Maria Clara, aos 3 anos, possuía o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), uma condição que nem ela conhecia. Mesmo com a filha já adulta, ela ainda busca informações sobre o autismo, como muitas mães de primeira viagem. Segundo a Organização Mundial de Saúde, o autismo afeta uma em cada 160 crianças no mundo. Para marcar o Dia Mundial de Conscientização do Autismo, nesta segunda-feira, 2, a Tribuna mostra a luta de mães que convivem com o transtorno e tentam, de forma incansável, inserir seus filhos na sociedade.

Ao receber a notícia de que Maria Clara era portadora de autismo, de grau severo, Beth Reis, hoje com 54 anos, não se esquivou da responsabilidade, mesmo sem saber direito do que se tratava. “Não se tinha muito conhecimento sobre o autismo naquela época. Para se ter uma ideia, falavam que Maria Clara era hiperativa, pelo fato de ser muito agitada. Passei por muitos profissionais até ter o diagnóstico correto. Hoje as coisas mudaram nesse sentido, pois é possível afirmar que uma criança é autista ainda bebê. Vejo que os pais estão mais amparados no sentido do conhecimento, mas em termos de assistência, principalmente por parte do serviço público, ainda falta muita coisa, principalmente para autistas em fase adulta”, ressalta.

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Beth conta que, em termos de comportamento e compreensão, Maria Clara está em sua melhor fase. “Parece que o cérebro dela amadureceu, e ela está tendo mais atitudes. Ela não fala, mas consegue compreender tudo o que falam com ela. A forma de se comunicar conosco é apontar para as coisas. É independente, vai ao banheiro sozinha, come. Outro dia, conseguiu tirar a roupa sem ajuda de ninguém”, comemora. Além dos remédios que Maria Clara tomou ao longo da vida – atualmente, a jovem está sem um deles e tem reagido muito bem -, Beth atribui o desenvolvimento da filha às terapias. Maria Clara chegou a frequentar a escola regular e teve acompanhamento de uma estagiária de psicologia na época. Ela passou pela socialização, entretanto, não foi alfabetizada.

“Foi, e é, uma luta muito grande e de muita persistência. Eu me adaptei ao mundo dela. A Maria Clara, para mim, é um aprendizado diário de vida. O conselho que dou às mães de crianças com autismo é que busquem apoio psicológico, sejam firmes e tentem não vitimizar seu filho. O filho não é doente, ele só têm condições diferentes. É amor que não se mede e nos transforma em pessoas melhores”, afirma Beth.

Ariene estimula o filho autista Chrys a interagir com a irmãzinha (Foto: Marcelo Ribeiro)

Mãe e ativista

A história de Ariene Perreira, 31 anos, como defensora e militante do autismo em Juiz de Fora começa logo depois do nascimento do filho Chrys, hoje com 8 anos. A dedicação de Ariene com a causa é tanta que hoje ela preside o Grupo de Apoio a Pais e Profissionais de Pessoas com Autismo de Juiz de Fora (Gappa-JF), uma entidade que luta pelos direitos e inserção do autista na sociedade. Diferente de Beth, o diagnóstico do filho de autista em grau severo ocorreu muito cedo. Sua experiência com crianças – trabalhou como babá desde os 12 anos de idade – a fez notar que Chrys, aos 7 meses de vida, era diferente das demais crianças que cuidou. “O que mais me chamou atenção era a dificuldade de ele se equilibrar e ter pavor de móbile. Com 1,2 ano, eu descobri, por conta própria, que ele era autista, com base em pesquisas na internet, mas o diagnóstico médico só veio aos 2,6 anos, depois de passar por três profissionais”, relata.

Diante de perspectivas tão negativas, Ariene resolveu dar a volta por cima e buscar outras pessoas que estivessem passando pela mesma situação. O sinal para iniciar essa caminhada foi encontrar uma mãe, no transporte público, que tinha um filho que se comportava de forma muito parecida com o seu. “Não pensei duas vezes e puxei assunto com ela. Na época, o Matheus, filho dela, tinha 7 anos e estava começando a falar. Aquilo me encheu de esperança, pois uma coisa que me fez chorar, uma noite inteira, foi ouvir do psiquiatra que, se a criança não falasse até os 3 anos, ele não falaria mais. Ali eu vi que o Chrys poderia falar um dia”, conta.

Ariene criou um blog para registrar as pequenas conquistas do Chrys até que, em 2015, conheceu uma outra mãe superengajada, que propôs criar um grupo. “Ela acabou se mudando de Juiz de Fora, e eu tomei a frente do Gappa. Criamos um grupo on-line para suprir algo que fez falta para mim: contar com a experiência de outras pessoas. Percebo que hoje as famílias estão perdendo medo de se mostrar e se assumir. O autismo sempre existiu, mas não era trabalhado pela falta de conhecimento, e essas pessoas eram retiradas da sociedade. Por outro lado, ainda tem muita gente que se isola por medo do preconceito, ou porque acha que a criança não vai se comportar ou entrar em crise. Isso não deve acontecer. Eu nunca deixei de ir a festas e compromissos por conta do Chrys. Sempre o levei para ele se acostumar”, comenta.

 

Entenda o trastorno

O que é – Segundo a neuropsicóloga Kátia Rodrigues de Souza, o autismo é um transtorno no desenvolvimento caracterizado por três sinais e sintomas específicos: dificuldades de interação social, problemas de comunicação e comportamentos repetitivos e restritos. A variação destes sintomas, entretanto, pode ser diferente entre os portadores. “Eles se expressam, normalmente, desde o início da vida até os 8 anos, mas de forma mais comum, e marcante, antes dos 3 anos de vida”, aponta.

Conforme estabelece o DSM-5, publicação oficial da Associação Americana de Psiquiatria, que define transtornos psiquiátricos e de desenvolvimento, o TEA pode ser medido com base em sua gravidade, que varia de acordo com os três níveis: severo, moderado e leve, baseados no grau de comprometimento do distúrbio. “O paciente com grau severo necessita de maior suporte e apoio, o que apresenta déficit grave nas habilidades de comunicação verbais e não verbais, cognição reduzida, dificuldade em alteração de rotina e isolamento social. Já o de grau moderado possui as mesmas características, mas com menor intensidade em relação as transtornos de comunicação e deficiência de linguagem. O portador de grau leve requer pouco suporte, pode ter dificuldade para se comunicar, mas consegue interagir socialmente. Tem problemas com organização e planejamento que dificultam a independência”, explica Kátia.

Como identificar – O autismo se manifesta na criança logo nos primeiros meses de vida. Os pais devem observar a forma como interagem com o meio em que vivem, já que em muitos casos as crianças não mantêm contato visual efetivo e não olham quando são chamadas. “A partir dos 12 meses, por exemplo, elas também não apontam com o dedinho. No primeiro ano de vida, demonstram mais interesse nos objetos do que nas pessoas e, quando os pais fazem brincadeiras de esconder, sorrir, podem não demonstrar muita reação”, aponta Kátia. A neuropsicóloga ressalta que os pais devem prestar atenção em alguns comportamentos, como se a criança prefere brincar sozinha, se interage pouco com outras crianças e com adultos, se possui linguagem pobre, robotizada, se brinca de forma estranha com os brinquedos, se faz movimentos repetidos e estereotipados com as mãos ou com o corpo, ou se tem dificuldade de sair da rotina.

Assistência local – O Departamento de Saúde à Criança e ao Adolescente (DSCA) da Secretaria de Saúde possui, desde 2016, uma área específica para atender ao casos de autismo na cidade. É o Ambulatório de Autismo, que atende hoje cerca de 200 pacientes, até os 12 anos de idade. O fisioterapeuta e coordenador do ambulatório, Sérgio Carvalho, explica que a inspiração teve como base o trabalho já realizado com a síndrome de Down, cuja abordagem envolve a família como um todo, a partir de um atendimento multidisciplinar. “Buscamos realizar um bate-papo para entender as necessidades de cada família. Nessa conversa damos dicas e tiramos dúvidas. Damos a margem para que eles relatem o que já fizeram, o que deu certo e o que não deu, até para servir de experiência para outros”. Após este contato, é realizado um prontuário do paciente e encaminhado ao pediatra, que fará o diagnóstico para verificar se há o espectro autista. “Depois de confirmado, iniciamos a assistência, com início de medicação, se necessário, e encaminhamentos para os profissionais”, finaliza.

Inclusão – Na visão da psicopedagoga Cristina Coronha, incluir significa fazer com que aquela pessoa se sinta respeitada e atendida em suas necessidades. Entretanto, embora seja um dever do Estado e existam várias políticas e leis que a amparam, a inclusão, sozinha, não é suficiente. “Existem lacunas nas escolas e no processo de aprendizagem. Para garantir esse direito, é preciso reformular as formas de relacionamento do aluno com o conhecimento, do aluno com aluno, do aluno com o professor, e do aluno com o mundo. No caso dos autistas, é preciso de recursos visuais e muita estimulação sensorial. Tanto em casa quanto na escola, é preciso criar uma rotina de atividades e comportamentos esperados, desde que sejam associadas a desenhos. A música também é um ótimo recurso, pois faz com que a comunicação da criança fique mais espontânea, reduz o isolamento, estimula a socialização, atenção e o interesse”, orienta.

 

Semana de Conscientização do Autismo

Destaques da programação

Dia 2

20h – Café com Ciência: palestra “Inclusão social”, com Débora Muller, psicopedagoga
Igreja de Santa Rita de Cássia (Rua Barão do Retiro 388 – Bonfim)

Dia 3

19h – Abertura da Semana com Dr. Márcio Alves
19h – Palestra: “Autismo e genética”, com Nathália Gonçalves Pereira, geneticista
20h30 – Palestra: “Intervenção precoce”, com Alice Lana, psicomotricista
Casa de Cultura da UFJF (Avenida Rio Branco 3.396 – Passos)

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Dia 4

18h – A inclusão na Rede Municipal de Ensino, com Tania Frankin Pedroso Azevedo, Gerente DIAE/SE
19h – Palestra: “ABA e autismo”, com Ana Darc Moreira Arcanjo, psicóloga
19h – Terapia assistida por animais, com Ana Carolina Ibrahim, psicóloga
20h30 – Palestra: “Autismo e medicação”, com Ivy Rosa, neuropediatra
Casa de Cultura da UFJF (Avenida Rio Branco 3.396 – Passos)

Dia 5

19h – Mesa redonda: “Trocando experiências sobre o autismo”
19h – “Saúde do cuidador”, com Zezé Psicanalista
Casa de Cultura da UFJF (Avenida Rio Branco 3.396 – Passos)

Dia 6

19h – “Equoterapia no autismo”, com Heloá Pereira, fisioterapeuta; Alne Mattos, fonoaudióloga; e Renata Prata, psicóloga
20h30 – Palestra: “Integração sensorial”, com Edna Maria Lopes Pereira e Maria Cristina Fernandes, terapeutas ocupacionais
Casa de Cultura da UFJF (Avenida Rio Branco 3.396 – Passos)

Dia 7

8h – Concentração para passeata na Praça da Estação
9h – Passeata até o Parque Halfeld, com atividades no local até as 13h

Dia 8

8h – Panfletagem na Via São Pedro
10h – Piquienique da inclusão na área verde do campus da UFJF

Fonte: Gappa JF

 

 

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