Filhos deveriam vir com manual


Por Daniela Arbex

04/03/2018 às 07h00

Filhos deveriam vir com manual. É que, por mais que a gente tente ser uma mãe bacana, nunca consegue ser boa o suficiente para errar menos. Eu sempre acreditei que tinha didática para ajudar meu filho a aprender a ler e a escrever. Além de tentar fazê-lo reconhecer o som das letras, o manuseio dos livros na contação noturna de histórias deveria contribuir com o processo. Mas não é o que eu descobri essa semana. A confusão toda começou por causa do nome da professora dele: Graciane. Uma das tarefas da lição de casa era escrever o nome dela no dever. Diego começou a chorar dizendo que não sabia fazer algo tão difícil. Tentei argumentar que todos estão na escola para aprender e assim comecei a mostrar como decifrar as letras para juntá-las:
_ GRA…. olha o sonzinho da palavra. GRAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA.
Diego chorou mais alto. Chutou um monte de letras do alfabeto. Em vão, eu fazia mímica com a boca. Aquilo me consumiu. Como ele não conseguia escrever o nome da professora? Com muito custo saiu o GRA. Depois, fiquei um tempão soletrando CI-A-NE.
No dia seguinte, fui ao consultório multiprofissional que acompanha o processo de aprendizagem de crianças. A psicóloga que já conhece a mim e ao meu filho nos acolheu. Colocou ele sentado em uma carteira do seu pequeno tamanho, e eu fiquei de espectadora daquele encontro. Ela mostrou para ele que aprender é um processo contínuo e que a gente vai a escola exatamente para adquirir conhecimento. Isso eu já tinha falado para ele. Mas, logo sem seguida, ela pegou um termômetro “dedo-duro de mães”.
– Diego, sua mãe ficou brava?
– Um pouco, disse ele, sem graça.
– Vamos ver o quanto brava ela ficou, disse, pegando aquele famigerado termômetro.
– Pouco, médio, brava, muito brava, leu para ele, mostrando as opções.
Ele respondeu:
– Médio.
– É? O que ela fez?
– Ficou falando alto ANE, ANEEEEEEEEEEEEEEEEEEE, repetiu, imitando a minha forma de falar.
Morri de vergonha.
Os dois me olharam com uma cara de que era eu quem deveria estar assentada ali.
– Diego, vamos mostrar para a mamãe que você sabe?
Ele ficou animado com a chance de me desmascarar.
A psicóloga, então, pegou uma caixa plástica e um saco de areia colorido. Jogou o conteúdo na bandeja e logo a tarefa de escrever palavras com letra cursiva virou um momento lúdico. Diego fez todas as letrinhas. T-O-D-A-S! E, ao final, riscou com ela um quadrado, escrevendo com facilidade o nome da professora: G-R-A-C-I-A-N-E.
Depois de terminar, ele piscou para mim e sorriu.
Professoras deveriam ter nomes mais fáceis. Já os filhos deveriam vir com manual. Mães também!

Os comentários nas postagens e os conteúdos dos colunistas não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é exclusiva dos autores das mensagens. A Tribuna reserva-se o direito de excluir comentários que contenham insultos e ameaças a seus jornalistas, bem como xingamentos, injúrias e agressões a terceiros. Mensagens de conteúdo homofóbico, racista, xenofóbico e que propaguem discursos de ódio e/ou informações falsas também não serão toleradas. A infração reiterada da política de comunicação da Tribuna levará à exclusão permanente do responsável pelos comentários.