Índice de coliformes em água de Guarani preocupa Gerência Regional de Saúde de Ubá

Relatório aponta que episódios de surtos de diarreia em Guarani, no ano passado, podem ter relação com a água fornecida à população do município


Por Rafaela Carvalho

07/02/2018 às 07h00- Atualizada 07/02/2018 às 09h32

Relatório da Gerência Regional de Saúde (GRS) encaminhado à Tribuna, após os surtos de diarreia ocorridos na cidade de Guarani, no final do ano passado, aponta que os episódios podem ter relação com a água fornecida à população do município, localizado a 70 quilômetros de Juiz de Fora. O documento, elaborado pela GRS de Ubá, revela que foi verificada a presença de coliformes totais e fecais em amostras de água coletadas no ano de 2016 e no período de janeiro a maio de 2017. Outra análise ainda apontou a presença da bactéria Pseudomonas aeruginosa, que pode causar infecções graves. No relatório, a GRS afirma ter acionado a Prefeitura, que, segundo o órgão, se comprometeu a instalar bombas nos poços que abastecem a cidade, que não tem tratamento de água.

A GRS de Ubá, responsável por monitorar e fiscalizar questões referentes à saúde de Guarani e mais 30 municípios da Zona da Mata, revela, no documento, que 40 casos de diarreia foram registrados na cidade em dezembro de 2017. Na época, várias pessoas relataram à Tribuna que o surto seria o terceiro só naquele ano, sendo que o último teria ocorrido apenas três meses antes, em setembro. Moradores e visitantes que passaram o feriado do Ano-Novo em Guarani tiveram episódios de diarreia e precisaram de atendimento médico. Mas o número de pessoas acometidas pelo surto pode ser maior, já que há relatos de famílias que se trataram em casa.

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O relatório revela também que a GRS de Ubá foi acionada pelo Município já em setembro de 2017, quando foi constatado aumento no número de casos de diarreia. Na ocasião, segundo a gerência regional, foram disponibilizados kits para a coleta de amostras de fezes de moradores acometidos pelo mal-estar, mas não foi possível obter a identificação do agente etiológico.

No entanto, ainda segundo a GRS, as amostras de água colhidas no mesmo período, em bairros onde o número de casos foi maior, apontaram a presença de Pseudomonas aeruginosa, bactéria que pode ser encontrada no solo e na água. Conforme publicação da Faculdade de Bioquímica da Universidade de São Paulo (USP), esta bactéria pode causar infecções oportunistas e afetar pessoas com imunidade baixa, também sendo encontrada em infecções hospitalares.

Investigação
Como método imediato de tratamento, a GRS disponibilizou para o município distribuir à população, ainda em setembro, hipoclorito de sódio 2,5%, com o objetivo de realizar a cloração da água. Também foi sugerida a cloração dos reservatórios com placas de cloro, até que fosse implantado um serviço de tratamento da água. O documento não cita qual foi a quantidade da substância distribuída para os moradores, mas destaca que uma investigação foi iniciada para que fossem propostas medidas necessárias à solucionar o problema.

Apesar disso, um novo surto foi registrado em dezembro, o que teria levado a Secretaria de Saúde de Guarani a solicitar, novamente, o apoio da gerência regional para identificação do agente causador e consequente controle do problema. Naquele mês, 300 frascos de hipoclorito de sódio foram disponibilizados pelo órgão, além de material para a coleta de amostra de fezes dos doentes. A investigação ainda estaria em andamento. O município tem cerca de 10 mil habitantes.

Município foi alertado em junho

No entendimento da GRS de Ubá, os surtos de diarreia em Guarani podem sim ter ligação com a falta de tratamento adequado. Isso porque os resultados do monitoramento da potabilidade da água verificados em 2016 e em meados de 2017 são considerados insatisfatórios. Diante da situação, o diretor da regional, Reginaldo Furtado de Carvalho, afirma, no documento, que acionou a Prefeitura em ofício encaminhado à Secretaria de Saúde de Guarani em junho do ano passado, solicitando providências em relação aos resultados. Conforme o relatório, o ofício destacava a necessidade de tratamento da água, pautado na Portaria 2.914/2011, que versa sobre o padrão de potabilidade da água voltada para consumo humano.

Após a publicação da Tribuna sobre os surtos, em 5 de janeiro, com questionamentos acerca da qualidade da água, a Secretaria de Saúde do Município publicou nota oficial em que esclarecia as medidas adotadas pela Prefeitura. Datada de 8 de janeiro deste ano, a publicação, disponível no site da Prefeitura, destaca que todas as medidas necessárias estavam sendo adotadas, como a distribuição de folhetos explicativos para a população, além da aplicação do hipoclorito na água. Ainda conforme a nota, somente no fim de semana anterior, 12 possíveis casos de “virose” tinham sido atendidos no Hospital Dr. Armando Xavier Vieira.

O que diz a lei
Segundo o artigo 5º do decreto federal nº 5.440/2005, é direito do consumidor receber nas contas de água mensais o resumo dos resultados das análises referentes aos parâmetros básicos de qualidade da água e informações sobre problemas do manancial que causem riscos à saúde, entre outros.

O decreto também cita a responsabilidade do prestador de serviço de distribuição de água em divulgar relatório anual com resumo dos resultados das análises da qualidade da água, discriminados mês a mês, mencionando por parâmetro analisado o valor máximo permitido, o número de amostras realizadas, o número de amostras anômalas detectadas, o número de amostras em conformidade com o plano de amostragem estabelecido em norma do Ministério da Saúde e as medidas adotadas face às anomalias verificadas.

Prefeitura não retorna contato

A Tribuna procurou o Serviço de Água e Esgoto (Saeg) da Prefeitura de Guarani na última quinta-feira (1), solicitando os laudos e relatórios sobre a qualidade da água nos anos de 2016 e 2017, citados no relatório da GRS de Ubá. Na ocasião, a resposta dada à reportagem foi a de que os documentos seriam enviados em breve. Procurada novamente nesta segunda (5), a diretoria do órgão afirmou que os documentos encontravam-se em posse do setor jurídico e que seriam encaminhados à Tribuna assim que fossem analisados.

A reportagem procurou a Saeg novamente nesta terça-feira. A informação repassada era a de que a assessoria de comunicação da Prefeitura entraria em contato para informar seu posicionamento sobre as questões apresentadas. No entanto, até o fechamento desta edição, a assessoria não retornou o contato.

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A Secretaria de Saúde também foi procurada na tarde desta terça, por volta das 16h15, mas a reportagem foi informada que o horário de funcionamento da pasta é das 8h às 11h e das 13h às 16h, não sendo possível falar com o responsável.

Especialista: necessidade de tratamento

Para analisar as informações expostas no relatório da GRS de Ubá, a Tribuna convidou a professora da Faculdade de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFJF, Renata de Oliveira Pereira, mestre e doutora na área de saneamento. De acordo com ela, o relatório assinado pela gerência “deixa claro que há várias amostras com presença de coliformes fecais, que é um indicativo de contaminação de origem fecal”. No entanto, por não mencionar o local de onde as amostras de água foram colhidas ou o número de amostras analisadas, não é possível afirmar se a qualidade da água estava comprometida.

Ainda conforme Renata, com base no relatório também não é possível afirmar qual foi a causa do surto de diarreia, mas a presença de coliformes fecais e totais pode apontar uma inadequação no tratamento da água. “Dependendo do local e do número de amostras, a Portaria 2.914/2011 permite uma porcentagem das amostras apresentarem resultado positivo. O que é possível afirmar é que toda água distribuída coletivamente deve ser tratada, no mínimo, pelo processo de cloração (dependendo da qualidade da água).”

Isso porque, conforme a professora, o tratamento por hipoclorito de sódio, conforme foi feito em Guarani, depende também da qualidade da água. “O hipoclorito de sódio é válido para casos como o apresentado, visto que consegue inativar bactérias e vírus. Ou seja: os micro-organismos perdem a capacidade de causar doenças. No entanto, deve-se ressaltar que a eficácia está intrinsecamente ligada à qualidade da água, pois ela implica em diminuição da sua eficácia.” A validade do tratamento feito por meio deste recurso também depende da qualidade. “Caso haja boa qualidade, a ação do hipoclorito, provavelmente, pode durar 24 horas, mas é essencial que o recipiente esteja limpo.”

Apesar de não ser possível afirmar que os surtos tenham a ver com a qualidade da água, Renata destaca que toda água distribuída para a população deve ser devidamente tratada, e orienta os moradores que querem se resguardar. “A população deve utilizar o hipoclorito de sódio na água como medida emergencial e lavar as caixas d’águas a cada seis meses com o composto químico. Mas, principalmente, a população cobrar das autoridades o tratamento da água”, finaliza.

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