Em busca de renda, ambulantes tomam as ruas de JF
Crise financeira é apontada por eles como a responsável pela situação. SAU garante que age contra as ações irregulares e faz apreensões diárias, enquanto Secretaria de Desenvolvimento Econômico diz trabalhar para aumentar empregos formais
Impossível circular pelo Centro de Juiz de Fora sem observar um ambulante. Seja nos semáforos ou nas calçadas, os vendedores ocupam os espaços públicos em busca de renda que o desemprego tirou dos seus lares. Embora os órgãos públicos não tenham estimativa, o crescimento das atividades consideradas informais é flagrante. Para se ter ideia, a Secretaria de Atividades Urbanas (SAU) tem acumulado, atualmente, mais de mil pedidos para novas licenças, que deixaram de ser concedidas no fim de 2014, em respeito à mudança na legislação que tirou dos municípios a prerrogativa de emitir novos alvarás sem promover processos licitatórios. Segundo o titular da pasta, Eduardo Facio, os 227 ambulantes hoje cadastrados na cidade dividem espaços com outras centenas de irregulares.
Na sua avaliação, a maioria dos carrinhos é guiada por vendedores sem autorização, e uma das explicações para isso está no alto índice de desemprego que, em todo o país, atingiu a marca de 12,9 milhões de trabalhadores, de acordo com último levantamento divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Não há um recorte municipal do estudo do IBGE, mas o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), que contabilizou saldo negativo de 877 postos de trabalho no acumulado de novembro de 2016 até novembro de 2017, confirma que o município também convive com a crise.
Na última semana, a Tribuna percorreu, a pé, a área central de Juiz de Fora, compreendendo parte das avenidas Rio Branco (entre a Avenida Itamar Franco e a Rua Floriano Peixoto) e Getúlio Vargas (até a Rua Halfeld), além dos calçadões da Halfeld, Mister Moore e São João. Somados, foram identificados 87 ambulantes, excluindo aqueles que estão em barracas padronizadas. Vendedores de utensílios domésticos, frutas, doces, bebidas, açaí e picolé compartilham espaços com pessoas que comercializam produtos, como CDs, DVDs e perfumes falsificados, bijuterias e até óculos de grau. Em outros corredores de tráfego da cidade, há ainda vendedores de panos de chão, sucos, acessórios automotivos e balas.
Para resolver a questão dos ambulantes, a SAU, no ano passado, chegou a iniciar um estudo para elaborar uma licitação neste sentido, mas o trabalho foi interrompido por tempo indeterminado. A conclusão é que deve-se aguardar a finalização do novo plano diretor, que se encontra em discussão na Câmara Municipal, para definir ou não pela concessão de novas autorizações. “Tenho hoje acumulado mais de mil pedidos para ambulantes, todos eles indeferidos. Ou seja, em uma ponta sabemos que existe o interesse dos trabalhadores pela atividade, mas o plano é que nos dirá se esta é uma demanda da cidade. Hoje, se eu fosse conceder permissão para todos que pedem, a cidade ficaria sem regras e prejudicaria toda uma cadeia.”
Mesmo sem os alvarás, os vendedores ocupam as ruas. As barracas que comercializam água de coco são as que mais chamam atenção. Na sexta-feira (19), no Parque Halfeld, entre o prédio do Fórum Benjamin Colucci e o do JF Informação, havia cinco destes carrinhos, além de dois no outro lado da Avenida Rio Branco, na mesma altura. Nesta via, aliás, a reportagem encontrou 20 carrinhos entre a Avenida Itamar Franco e a Rua Floriano Peixoto, sendo uns a poucos passos do outro, de um total de 37 identificados em todas as ruas e avenidas percorridas. Também chama atenção os carrinhos de mão ocupados por frutas, isopores com água mineral e até estruturas improvisadas para a comercialização de doces caseiros. Segundo Facio, há uma certeza: “A maioria destes carrinhos de vendas, de qualquer coisa, não tem licença.”
O presidente da Associação dos Camelôs de Juiz de Fora, Cláudio Souza de Menezes, afirma que, em 36 anos de atividade, nunca viu um crescimento tão expressivo de ambulantes irregulares como este, em razão da atual crise econômica. No entanto, ele não desqualifica estes trabalhadores que, na sua avaliação, devem ser tratados com respeito. “Todo mundo precisa trabalhar. Todos têm sua necessidade, família para criar e filhos. O que precisa é fazer um trabalho em conjunto, com a Prefeitura, para tentar regularizar estas pessoas. Nem que seja pensar em um novo horário ou espaço para eles.” Conforme Cláudio, o município dispõe de uma comissão para discutir tais demandas, no entanto, desde que as licenças pararam de ser emitidas as discussões pararam. “É preciso voltar a conversar sobre este assunto, porque estamos falando de batalhadores. Quem está na rua, é quem precisa.”
Ações diárias
Para impedir a ação, a pasta tem agido, de acordo com o titular da SAU, diuturnamente com o intuito de garantir o direito de ir e vir das pessoas e coibir a venda nas ruas sem a devida licença. Somente no ano passado foram 22.049 apreensões de itens diversos, resultado de operações diárias, inclusive nos fins de semana, cujo resultado representa aumento de 52% se comparado a 2016. “Não estou aqui para perseguir, mas para dar a qualidade de vida que todo mundo deseja e tem direito. Se está obstruindo espaço público com algo indevido, precisamos agir, pois precisamos, além de tudo, preservar o direito de ir e vir do cidadão. Tem vendedor que chega a colocar carrinho de frente para uma faixa de pedestre, e isso não podemos aceitar.”
E as multas são expressivas. No caso do ambulante abordado sem licença, ele será autuado em R$ 752,28 por cometer uma infração média, conforme o Código de Posturas municipal. Além disso, pode ser multado pelo excesso de mercadoria e obstrução do passeio, atrapalhando a mobilidade. Nestes casos, as infrações são graves, com multa de R$ 1.880,75.
Informalidade para driblar o desemprego
Os ambulantes não estão nas ruas porque eles querem, mas por necessidade. É este o argumento mais comum ouvido nas ruas por aqueles que buscam no trabalho informal uma forma de driblar o desemprego e garantir renda. Um vendedor de frutas ouvido pela reportagem lamenta a situação. “Não tem emprego, e eu preciso alimentar minha família. Prefiro correr do fiscal do que da polícia, por estar cometendo algum crime”, disse. Outro, foi além: “Meu último emprego foi em restaurante, como garçom. Preferia a rotina árdua e pesada servindo mesas que sofrer embaixo de sol vendendo água, sem contar que a qualquer momento a Prefeitura pode vir e tomar minha mercadoria.”
Desempregado há três anos, um servente de pedreiro encontrou na venda de morango uma forma de se recolocar no mercado. Em função da idade (50 anos) e de um problema de saúde, não conseguiu voltar a trabalhar em obras como fez a vida toda. “Quando a obra acabou, a empresa mandou todo mundo embora. Desde então tenho buscado alternativas. Comecei a vender no sinal no final de 2017”, conta ele, que vem de Matias Barbosa toda a semana para trabalhar de segunda a sábado, das 7h às 19h. “Tenho esposa em Matias Barbosa, e durante a semana fico na casa da minha mãe para trabalhar. Vender morangos é uma forma de ajudar dentro de casa e também me sentir útil”.
Para o economista Weslem Faria, professor da UFJF, a informalidade é uma consequência indesejada do momento de crise e traz vários efeitos negativos, sobretudo relacionados à segurança previdenciária destas pessoas. “A informalidade cresce junto com a crise. Na verdade, trata-se de uma alternativa, que tende a ser temporária na maioria dos casos. Por outro lado, é interessante observar que, apesar de ilegais, são pessoas que estão buscando renda de forma digna, pois um dos reflexos da crise econômica é também o aumento da criminalidade”, pontuou. Ainda segundo Weslem, o aumento do número de ambulantes, como é observado na cidade, mostra que as políticas de geração de emprego não estão conseguindo absorver estes trabalhadores no mercado formal. “É um sinal claro que algo não está funcionando, que o Estado está fragilizado no dever de garantir emprego.”
Comércio formal
A realidade enfrentada por estes trabalhadores informais preocupa aqueles que são regularizados e pagam seus impostos. Conforme o titular da Secretaria de Atividades Urbanas (SAU), Eduardo Facio, as reclamações chegam a todo o momento, principalmente de comerciantes e de ambulantes com licença para a ocupação do espaço público. Algumas situações, aliás, são emblemáticas, como do carrinho com frutas instalado a poucos passos de um mercado, ou o vendedor de água que comercializa seu produto próximo a lanchonetes. Por não ter encargos e impostos a cumprir, os produtos acabam sendo vendidos mais baratos, gerando uma concorrência desleal.
“A legislação é muito clara em que a ocupação do espaço público deve vir seguida de uma contrapartida a ser paga, quando o trabalhador é licenciado. Quando aumenta o número de ambulantes, toda uma cadeia é atingida, como do vendedor de CD, que impede a comercialização da loja do disco original. Com isso, o empresário vai ter menos postos de trabalho a oferecer, porque sua demanda vai cair. No fim, até mesmo o ambulante desempregado perde a oportunidade de voltar a ter a certeira assinada”, avaliou Facio.
Para Sindicomércio, espaços populares são soluções
Na avaliação do presidente do Sindicato do Comércio de Juiz de Fora (Sindicomércio-JF), Emerson Beloti, a crise econômica não pode ser justificativa para promover a desordem na cidade. Segundo ele, o crescimento do comércio informal irregular prejudica, sobretudo, a população, principalmente se avaliar a locomoção prejudicada por causa da ocupação desordenada dos passeios. “O desemprego não pode ser justificativa. É preciso haver fiscalização para evitar os abusos, que partem até dos próprios ambulantes regulares, quando não obedecem o tamanho de suas barracas.” Para Beloti, o problema só será resolvido quando a Prefeitura constituir um espaço popular para o comércio informal, aos moldes que foi constituído em cidades como Montes Claros, Belo Horizonte e Volta Redonda (RJ). “Enquanto uma unidade desta não for criada, as pessoas vão continuar achando que se pode tudo, e estamos em uma sociedade civil organizada, com regras que devem ser cumpridas.”
Para o presidente da Associação dos Camelôs de Juiz de Fora, Cláudio Souza de Menezes, camelódromo não é o caminho. Segundo ele, com o crescimento da cidade, não é possível garantir um espaço competitivo para os ambulantes na área de maior movimento da cidade, onde muitos trabalhadores atuam há décadas. “O que nós defendemos é a revitalização do Centro e a padronização das barracas. Entendemos que é possível repensar estas ruas nos inserindo nas mudanças. Os camelôs são o ganha pão de muitas famílias. Eu, por exemplo, estou na Rua Marechal Deodoro há 36 anos, cheguei aqui aos 9.”
Apesar de dividir opiniões, os camelódromos são experiências que se consolidaram em muitas cidades. Em Volta Redonda (RJ), por exemplo, são quatro espaços desta natureza, que acabaram se tornando referência para os consumidores. Ou seja, foi criada uma demanda que busca estes espaços de compras. Para o economista Weslem Faria, professor da UFJF, os shoppings populares podem ser uma saída. “Se existe um público em busca destes produtos e pessoas dispostas a trabalhar, por que não? É uma forma de dar dignidade e tirar estes camelôs do ambiente insalubre das ruas. É melhor eles estarem em locais adequados do que ocupando o Calçadão, gerando graves problemas de mobilidade.”
Formalidade
Segundo o Secretário de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo (Sedetur) da Prefeitura, João de Matos, o centro popular é uma demanda da administração, que entende a necessidade de dar dignidade aos ambulantes da cidade. No entanto, o processo não avançou. “O que estamos fazendo é tentando trazer os informais para a formalidade, por meio de diversas frentes. Entre elas, o nosso portal Empregos JF e o recém-lançado Invista JF, que tem como objetivo incentivar o empreendedorismo.
Sobre os números do Caged, que ainda apresentam saldo negativo, Matos considerou que, apesar disso, os índices mostram uma tendência ao crescimento, com menor perda de empregos formais a partir do último semestre. “Estamos atentos à situação e não recomendamos o comércio irregular. Esta não é a saída do trabalhador que perdeu o sem emprego, pois, além de tudo, ele compete de forma desleal com o comércio formal.”