Sopa dos Pobres: a caridade em forma de alimento

Na última quinta, um almoço festivo marcou o ‘Natal’ de muitos assistidos; a Tribuna esteve lá e conheceu algumas histórias


Por Daniela Arbex

23/12/2017 às 07h00

Fotos: Olavo Prazeres

“Eu conheci a maioria daquelas pessoas”, comentou Braz Xavier da Costa, 68 anos, apontando para as fotos que ilustram o quadro de fundadores e presidentes que já passaram pela Sociedade Beneficente Sopa das Pobres. Um dos frequentadores mais antigos desse trabalho social, Braz entrou pela primeira vez na sede doada pelo Tiro de Guerra do Exército aos 8 anos de idade, acompanhado dos pais lavradores. De lá para cá, nunca mais faltou ao almoço, apesar de terem se passado seis décadas. Atualmente sem vínculo familiar e trabalho formal, Braz vê na entidade o seu porto seguro. Não tem ideia do que a palavra assistencialismo quer dizer e, para falar a verdade, nem se preocupa com isso. Só ele sabe o que a fome pode fazer com o ser humano. Por isso, a caridade em forma de alimento tem mais significado do que qualquer tipo de rótulo ou julgamento.

Além dele, outras 200 pessoas frequentam diariamente o número 110 da Rua Santo Antônio, onde, na última quinta-feira, foi oferecido um almoço especial de Natal, tudo feito com a ajuda de doações. No cardápio, arroz, strogonoff e batata palha, acompanhados de refrigerante. Braz, que só tem a primeira série do ensino fundamental e sobrevive de pequenos bicos, comemorou o prato “recheado” e o motivo daquele encontro. “O cardápio está nota 10. Nem sei há quanto tempo não comia batata palha”, disse, sorrindo, embora diga que o Natal para ele é sinônimo de saudade. Filho de uma família numerosa – ele não se lembra mais quantos irmãos tem -, Braz tem seguido a vida sozinho. Com a perda dos pais lavradores, cada um foi para um canto e, logo, eles perderam contato.

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O cardápio está nota 10. Nem sei há quanto tempo não comia batata palha

Braz Xavier da Costa, 68 anos

O biscate encontrou em estranhos o acolhimento que não teve entre os parentes. Hoje vive em um quartinho emprestado no Bairro Retiro, experimentando muita solidão. Sem ter conseguido formar a sua própria família, ele se emociona ao falar do mês de dezembro. “É uma época mais difícil, na qual a gente fica mais tocado, porque Natal é bom para passar com a família que eu não tenho mais. Nesse período, bate uma saudade imensa da minha mãe e do meu pai. Talvez meu único sonho hoje seja ter um celular, embora eu não tenha para quem ligar”, diz, despedindo-se em lágrimas.

‘Meu sonho era passar essa data em casa e não na rua’

Braz divide com Welton Ribeiro de Souza, 29 anos, a convivência diária na Sopa dos Pobres e o desejo de construir memória. Passou 18 anos de vida sendo criado por mães sociais em uma antiga unidade de acolhimento da cidade e nunca soube o motivo pelo qual foi mandado da Bahia para cá ainda bebê. Sem ter noção das suas origens, ele sonha com o Natal em uma casa que nunca conheceu. “Foi difícil demais crescer sem uma família. Hoje aqui na Sopa foi bem especial, principalmente porque não tenho planos para o Natal. Meu sonho era passar essa data em casa e não na rua, onde moro há anos”, comentou.

Welton, que se apresenta de maneira feminina, contou que, desde os 18 anos, idade que deixou a instituição onde foi criado, não conseguiu se encaixar em lugar nenhum. Reclama da falta de oportunidades e diz ter conhecido na rua o melhor e o pior do ser humano. “Há muita solidariedade, mas também muita violência. Sinto falta da família que não tive”, revela.

Ajudar o outro é a nossa maior motivação. Mesmo sendo uma parcela pequena de ajuda, a gente faz o melhor que pode. Embora seja um trabalho considerado assistencialista, nós sabemos que ele permite que muitos se alimentem durante os sete dias da semana. E qualquer um de nós poderia estar sentado nesses bancos no lugar dessas pessoas

Wanda Fonseca, presidente da Sopa dos Pobres

Wanda Fonseca, presidente da Sopa dos Pobres

Para a presidente da Sopa dos Pobres Wanda Fonseca Coelho, 73 anos, pessoas como Braz e Welton são a razão de existir do projeto criado em 1931 e que hoje serve mais de seis mil refeições por mês. “Ajudar o outro é a nossa maior motivação. Mesmo sendo uma parcela pequena de ajuda, a gente faz o melhor que pode. Embora seja um trabalho considerado assistencialista, nós sabemos que ele permite que muitos se alimentem durante os sete dias da semana. E qualquer um de nós poderia estar sentado nesses bancos no lugar dessas pessoas”, diz com a sabedoria de quem já aprendeu a se colocar no lugar do outro.

Custo do projeto

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Sede da Sopa dos Pobres na Rua Santo Antônio

Sem verba pública, a Sopa dos Pobres, criada pelo casal Ludgero e Tita Moreira, sobrevive através de doações e do apoio de entidades, como o Clube dos Dirigentes Lojistas e a Fábrica de Doces Brasil, responsável pela doação das sobremesas. Apesar de não haver falta de gêneros alimentícios, Wanda informa que a maior dificuldade é custear as despesas de R$ 13 mil mensais com cinco funcionárias e toda a manutenção do espaço. “No ano passado, achei que não fosse ter condições de continuar com a entidade que nasceu a partir da iniciativa do casal Ludgero de realizar um lanche para crianças em situação de vulnerabilidade no dia do aniversário da filha deles de 15 anos. Oitenta e seis anos depois, esse trabalho nunca parou” diz, emocionada, a presidente.

Além das 200 refeições diárias, a entidade mantém um grupo semanal de estudos junto a 16 idosos e ainda conta com o apoio de uma assistente social. “A gente agradece todos que cooperaram conosco este ano. Esta é uma casa abençoada”, finaliza Wanda.

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