Comer, relembrar e amar…


Por Daniela Arbex

24/12/2017 às 07h00

Há muitas formas de expressar apreço pelo outro. Na minha casa, por exemplo, a comida sempre foi feita como uma demonstração de afeto. Mais do que falar de amor, minha mãe ofertava para a gente o seu maior talento: a arte de cozinhar. De um simples lanche a um jantar formal, ela transformava tudo em um acontecimento. Quando eu e meu irmão Sandro éramos adolescentes, nossos amigos adoravam ir lá para casa não só por nossa causa, mas em função dos famosos quitutes feitos pela Dona Sônia: geleia de morango derretida no tacho, biscoitos amanteigados assados com pedaços generosos de goiabada, roscas trançadas, figo em calda, bolo com cobertura de fondant, rissoles de carne, esfirra, quibe frito, pastinhas árabes, drinques de fruta sem álcool….

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Recentemente, encontrei em Nova York uma casa de doces que me fez viajar no tempo. Vi na vitrine um bolo em forma de castelo feito com jujubas, waffer e cercas construídas com snacks. Aquela cena me transportou na hora para o meu aniversário de 7 anos, quando minha mãe fez o bolo mais criativo, lindo e incrível que uma criança pode ter. Lembro que ela comprou livrinhos de receita vendidos em banca de jornal e passou dias elaborando aquela novidade. A saudosa Dona Stella, nossa vizinha no prédio da Rua Halfeld, onde morávamos, ajudou na preparação. O meu bolo tinha tudo de um castelo. As torres, o riacho – construído com papel celofane -, e um grande portão. Tudo feito com massa de pão de ló, biscoito champagne, confete e ainda as coloridas balas soft, um verdadeiro luxo.

A mesa da festa foi enfeitada com moranguinhos banhados na folha da gelatina, a perdição das perdições. Sem falar nos bombons de uva que minha mãe fazia, com chocolate derretido em banho maria, receita da minha Tia Leda, outra craque. Sempre ficava ao lado da minha mãe na hora que ela enrolava os doces, mergulhava na panela e pescava com garfo de cozinha. A gente ficava grudado nela, esperando a hora de raspar as panelas.
Também me lembro do arroz à grega acompanhado de rosbife ao ponto nos almoços de domingo. De sobremesa tinha bolo de banana com suspiro quentinho ou torta de abacaxi com chantilly.

Tanta habilidade levou minha mãe a abrir o próprio restaurante e ficar à frente dele por mais de 20 anos. O restaurante, que ainda existe, roubou muito do tempo dela, tornando raros os nossos encontros em família. Mas os sabores da minha infância e adolescência ficaram impregnados na minha memória afetiva. Comer para mim remete muito ao amor materno.

Que os sabores desse Natal tenham gosto de acolhimento, de bem querer, de cuidado. E que o afeto seja o prato principal da sua festa!

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