A música é a decolagem para um lugar que nem existe

Músico conta histórias de sua vida e faz apresentações na quinta, sexta e sábado


Por Carime Elmor

20/12/2017 às 19h55- Atualizada 28/12/2017 às 08h56

Dudu faz solo com seus contrabaixos em OAndarDeBaixo, hoje, às 20h, no projeto “Música de quinta”. (Foto: Olavo Prazeres)

Em um jardim com sonoridade construída por revoadas, que todo dia se misturam ao som de seu contrabaixo, sentamos eu e Dudu Lima e conversamos durante a tarde da última terça-feira (18). Ele acabava de chegar de viagem, não passa um ano se quer sem dar um pulo a Cabo Frio (RJ) com a família, praia que visita desde os 8 anos, a idade de Benito, seu filho com cabelos de cachinhos como os do pai.

E pensar nele, desde já, sentado na bateria tentando acompanhar Dudu no dedilhar das cordas graves é de tamanha ternura. Tanto a cidade litorânea quanto o filho se traduzem em nomes de músicas criadas por Dudu, que, além de instrumentista profissional desde 14 anos, foi se encontrando nas composições próprias que nascem de seu contrabaixo, sempre abertas para a possibilidade jazzista de ganhar arranjos de outros instrumentos, principalmente improvisos.

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Dudu Lima enxerga imagens ao compor: “A música, para mim, é cênica”. Memórias coloridas, que, soando notas, criam melodias capazes de contar histórias. “Eu lembro que a minha mãe, uma vez que eu estava fazendo um show, falou assim ‘eu te conheço desde que você nasceu, mas é outro cara que tem aí no palco, não é meu filho não’. E eu sempre sinto isso, porque é sobre o decolar, a música te leva para outra esfera de um mundo imaginário que você cria, e que você traduz. E a composição para mim é muito isso, eu só consigo compor se tiver uma motivação, não consigo compor tecnicamente.”

Dudu Lima toca em Juiz de Fora de quinta (21) a sábado (23), em uma crescente de companhias. Começa solo no “Concerto para Contrabaixo”, no espaço OAndarDebaixo. Na sexta, faz duo com o clarinetista Caetano Brasil e, no sábado, apresenta-se com seu trio formado pelo baterista Leandro Scio e o tecladista Ricardo Itaborahy, ambos no Experimental Container Bar.

Ouça “Som de Minas”, lançado este ano:

O som de contrabaixo despertava seus sentidos desde a infância, enquanto seu padrasto colocava Stevie Wonder para tocar em casa, imagino que em som de vitrola, a criança de Dudu já se perguntava que instrumento era aquele. Era como se o som do contrabaixo estivesse descolado, destoando de toda a música. Aos 11 anos, foi passar férias no Rio de Janeiro, casa de seu pai, quando conheceu dois primos “emprestados”, ambos filhos de Ed Wilson, cantor brasileiro que fez parte do movimento da Jovem Guarda e um dos fundadores da banda Renato e seus Blue Caps. Os dois meninos estavam cada um com seus instrumentos: guitarra e bateria. Esta cena foi a propulsora para que ele ganhasse de natal um baixo tonante comprado na Mesbla. “Era o instrumento mais simples que tinha”, ele conta. Voltando a Juiz de Fora, começou a frequentar as escolas Pró-Música e Scala.

Ainda bem jovem, mergulhado na surpresa que é a música, teve uma revelação. Era aniversário de seu pai e foram assistir a um trio – piano de cauda, baixo e uma cantora – em um clube de jazz no Rio de Janeiro. “Meu pai, após ter tomando uns uísques, chegou e falou ‘deixa meu filho tocar’. Era um baixo Fender, eu nunca tinha visto um na minha vida, os caras tocavam pra caramba.” Sua memória foi lá atrás enquanto falava. Já sabia, na época, os acordes de algumas músicas de cor. Pronto: “Eu sei que vou te amar”, dó maior, e deslanchou de tal forma impassível de compreender o que se passou.

“A gente começou e eu não sei o que aconteceu”, fala apontando para o braço dizendo estar arrepiado contando isso agora. “Naquele dia eu toquei, os caras ficaram me dando parabéns, e eu não sabia o que eu tinha feito, foi mágico. Ficaram me perguntando com quem eu estava aprendendo, mas jazz vinha muito das minhas vivências solitárias. Aquele dia foi um toque que a vida me deu. Depois eu fui para Itajubá, tentava tocar de novo e não saía, mas naquele momento a coisa se revelou, e o que eu quero tocando é poder sentir aquilo toda vez. Eu não entendia, eu apenas ia e fico até hoje pensando nos mistérios espirituais e que um dia eu vou saber o que eu fiz, talvez em outra dimensão. É uma vida em busca daquilo.”

Logo que se encontrou com o contrabaixo, recebeu do baixista Paulo César Barros uma fita em VHS da performance de Jaco Pastorius no Montreal Jazz Festival de 1982. “Ouve essa fita porque está tudo aí, baixo é isso”, aconselhou Paulo César, irmão de Ed Wilson. “Aí foi uma loucura, porque comprei uma revista que falava de contrabaixo com reportagem sobre Jaco Pastorius, porque ele tinha acabado de falecer na época que o conheci, em 1986. Ficava vendo aquela fita, ele pintava o corpo. O Jaco Pastorius, no baixo, é a mesma coisa que chegar um disco voador aqui e chamar a gente para passear. O baixo era uma coisa e se tornou outra a partir dele”, reflete Dudu Lima que o tem como primeira referência para a porta de entrada no jazz.

Sobre cronometrar os estudos

Quando tudo ainda era incipiente, começou a acompanhar o cantor Dhaal Souza em Juiz de Fora, que, na época, Dudu conta, fazia 20 shows por mês na cidade e região. Dhaal lançava tudo em vinil, e Dudu tornou-se instrumentista dele, gravando em um estúdio em Ubá. A partir daí, começou a trabalhar no lugar, gravando durante dez anos com todos que passavam por lá, foi também quando aprendeu bastante sobre produção musical, e hoje trabalha como produtor em projetos que é convidado.

Também formou duo com o pianista Fabiano de Castro e, junto a uma classe de músicos, conta como o Jazz Clube de Juiz de Fora, administrado por Joãozinho da Percussão, foi vital para uma geração de músicos de jazz, que a partir dali tiveram contato com Toninho Horta, Nico Assumpção, e também foi onde viu pela primeira vez o contrabaixista Adriano Giffoni se apresentar. Neste momento, começa a ter aulas com Giffoni no Rio de Janeiro, e entrou para a escola Cigam, do húngaro Ian Guest, que trouxe o ensino de harmonia e improvisação dos Estados Unidos para cá. Com 16 anos, começou a dar aulas de música para o Maninho, luthier de Juiz de Fora.

O baterista do Jazz Clube, conhecido como Fofinho Forever, juntou-se ao duo, e começaram a ter noites semanais fixas no bar, além de outros locais da cidade. De quarta a domingo, tocavam incessantemente. O baterista, já mais experiente, começou a levar pilhas de discos de vinil para Dudu Lima, colocava para tocar e ia ressaltando os elementos da música, Dudu é formado em direito pela UFJF, sua mãe pediu que ele tivesse um diploma, mesmo que sua dedicação fosse sempre a música.

“Me formei em direito em 1993, minha mãe meio que me criou sozinho, lutou pra caramba, pediu que eu tivesse um diploma. Eu era muito sistemático, estudava duas horas de matérias da faculdade e sete horas de música por dia, cronometrado. Se eu levantasse, eu parava o relógio.”

As possibilidades dos encontros

Quando o pianista Marvio Cribelli, de Niterói (RJ), chamou Dudu Lima para tocar de quarta a domingo com ele, uma das viagens possibilitou que encontrasse os músicos que acompanham Hermeto Pascoal, que chegou a gravar a faixa “Rapadura é doce mas não é mole não“, de seu disco “Nossa história”, lançado em 2003. “Sempre redescubro Hermeto Pascoal e tive a honra de ele gravar comigo.

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A partir deste encontro, ele e Márcio Bahia, baterista de Hermeto, fizeram muitos ensaios juntos. Se Jaco Pastorius significou uma primeira expansão para ele, certamente a vivência imersiva com Márcio e outros músicos que acompanham Hermeto foi um segundo momento de ruptura. “Márcio Bahia ensaiava oito horas, eu, com 28, tinha que pedir penico, Márcio gravava tudo em fita cassete, depois ouvia e vinha falando ‘Dudu, adiantou aqui, vou te ensinar a ouvir o que ninguém ouve’. Aí foram mil vezes acontecendo assim, gravando o ensaio inteiro e analisando minuciosamente. Se eu fizesse uma frase, tocasse qualquer coisa que remetesse ao Jaco de forma muito direta, ele falava ‘bicho, aquilo foi legal, mas aquilo é o Jaco, eu não quero ele, eu quero ouvir o Dudu’. Aquilo para mim foi um doutorado, uma cultura que eu sempre admirei, eu estava no berço dela.”

Suas idas de três em três meses para Búzios, tocando no Pátio Havana e também no Chez Michou também se tornaram um marco. Em uma das noites, enquanto apresentava-se no Pátio Havana, Milton Nascimento havia reservado uma mesa, chegou no começo do primeiro ato, dos três que fariam, e ficou até o fim da noite, se tornando um grande parceiro de Dudu Lima, até gravarem e lançarem em 2015 o álbum “Tamarear“. Sua história com Stanley Jordan, guitarrista e pianista norte-americano, com quem toca desde 2001, também foi surpreendente. Ele veio ao Brasil e buscava uma banda para lhe acompanhar nos shows. Após certamente ouvir vários músicos, convidou Dudu Lima, formando o trio com o baterista carioca Mamão (Ivan Conti), que já gravou com a maioria dos nomes da MPB que passar por nossa cabeça.

“Sempre estudei muito, sei que preciso estudar, minha forma de tocar exige isso, não por ser complexa, mas porque eu me sinto tranquilo, eu consigo fazer a música quando eu me sinto seguro. Eu tenho que treinar repetidas vezes para ‘aquela’ coisa acontecer no show ou quando estou compondo, mesmo que não tenha nada a ver com o que eu fiz antes. Mas o que você cria é uma outra coisa, e você estuda somente para dar base àquilo. Você estuda uma escala que é estática, ela não tem graça, mas você precisa disso. Como se fossem as palavras, a gente lê para escrever melhor. Para o músico, o disco também é isso, ouvir é fundamental, a bíblia do músico é o disco, e claro, estudar muito”.

Todas as suas experiências tocando com nomes que admira o surpreende até hoje, ele conta suas histórias quase que agradecendo enquanto fala, agradecendo à vida pelos encontros e seu percurso desde o Natal que ganhou seu primeiro baixo elétrico. “Essas histórias me serviram de exemplos. Eu apliquei em minha vida, solitariamente e em grupo, as oito horas de ensaio por dia”. Em 1993 começou o Dudu Lima Trio, foi quando foi morar com o Weber Martins, baterista na época, e com o Ricardo Itaborahy, seu tecladista até hoje. Moravam juntos, ensaiavam por horas a fio, diariamente, e ainda tocavam todo final de semana.

Conversar com Dudu me fez lembrar o personagem Andrew Neiman, de “Whiplash” (2014). Porém, um cara já com seus fios brancos, serenidade, espiritualidade e mansidão, que para sempre, sem redundância, vai seguir em busca da infinitude de seus contrabaixos – elétrico, acústico, fretless, vertical e o baixolão – enquanto entra para seu lugar preferido, um estúdio no jardim de sua casa, e decola.

Dudu Lima

“Concerto para Contrabaixo” – Quinta (21), 20h. OAndarDeBaixo (Rua Marechal Floriano Peixoto 37, Centro).
Duo com Caetano Brasil – Sexta (22), 20h. Experimental Container Bar (Av. Barão do Rio Branco 3.162).
Dudu Lima Trio – Sábado (23), 20h. Experimental Container Bar

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