Como práticas neuropsicopedagógicas podem mudar o QI de uma pessoa

Esse artigo narra uma experiência real e possível de plasticidade cerebral, de alteração no QI (coeficiente de inteligência), através de práticas específicas neuropsicopedagógicas envolvendo a família


Por Cristina Coronha

12/12/2017 às 09h47- Atualizada 13/12/2017 às 10h41

Quantos de nós carregamos “classificações” médicas (TDAH, DPAC, Dilexia, DDA…). Elas significam avanços em termos diagnósticos,  mas como temos reagido? O que temos feito com essa realidade – informação – constatação? Precisamos entendê-las e buscar os recursos – estímulo – para favorecer as perspectivas de melhoramento, a modificabilidade cognitiva e a reeducação do olhar sobre nós mesmos. Esse artigo narra uma experiência real e possível de plasticidade cerebral, de alteração no QI-coeficiente de inteligência, através de práticas específicas neuropsicopedagógicas, envolvendo a  família.

Semana passada recebi duas mensagens no blog levantando questões acerca do encaminhamento profissional de crianças com algum tipo de Necessidade Educacional Especial.  Na minha práxis educacional e psicopedagógica posso comprovar que com uma equipe multidisciplinar habilitada e competente , conseguimos avanços significativos na aprendizagem e no desenvolvimento , em qualquer circunstância.

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Queria dividir uma experiência profissional  com vocês:

Recebi no meu consultório psicopedagógico alguns anos atrás um rapaz de   16 anos com diagnóstico médico de “Retardo mental leve”e TDAH . Fiz uma pesquisa acerca da maneira pessoal com que ele se aproximava do conhecimento , talentos,dificuldades, sua  história pessoal a partir  da interpretação das experiências escolares  e do seu grupo familiar, além do reconhecimento dado pela família em relação ao seu déficit , com as respectivas   perdas. O diagnóstico  deixou evidente  atrasos na comunicação, na socialização, nas habilidades pedagógicas e cognitivas, além de manifestar características próprias da fase pré-operatória do desenvolvimento (referente às crianças de 4 a 7 anos) , segundo Jean Piaget.

Este foi o primeiro Teste Projetivo aplicado e feito por ele na  fase diagnóstica .Sugeri  que desenhasse um auto retrato. Nessa época o teste Neuropsicológico acusou QI TOTAL = 65 “QI Inferior compatível com  Retardo Mental Leve.”

Ele  apresentava dificuldade em organizar as informações na mente, manipulá-las e utilizá-las nas situações cotidianas, não conseguia antecipar consequências futuras de seus atos; havia uma diminuição na capacidade de percepção do tempo-espaço; não conseguia manter a atenção nas suas representações mentais internas. Sua comunicação era deficiente porque ainda egocêntrica, devido a incapacidade de perceber o ponto de vista de outro; seu  pensamento carecia de lógica, seu nível de linguagem era de Informação Adaptada e o de socialização de par fixo. Apresentava muita dificuldade nos conteúdos escolares, na realização das provas e exercícios, as matérias escolares não tinham   significado  nem utilidade prática, tampouco as atividades coletivas de educação física ou outras de cunho social.

A mãe demonstrava uma não aceitação da realidade do filho, questionando o diagnóstico médico, evitando determinados ambientes na tentativa de preservá-lo dos comentários e olhares alheios. Ela também restringia seu círculo de amizade aos conhecidos da igreja, familiares e frequentadores da sua loja de roupas. Os pais traziam uma matriz de dramas gerando grande sofrimento.

Foi preciso entrar nesta realidade para  traduzir a rede de significados e representações; conhecer a complexidade das relações para conduzir à modificabilidade comportamental e estrutural desse paciente e de sua família.

Iniciei o trabalho clínico psicopedagógico de intervenção neste rapaz através de  práticas específicas semanais ,além de reuniões com a escola, busca de mais informações com o médico e  ação direta com a família (especialmente na mãe), investindo na confrontação da própria realidade, na criação- projeção de uma imagem real e positiva do filho e convidando-a para o trabalho corresponsável e participativo.

Um ano após o início do trabalho eram perceptíveis seus ganhos:já conseguia pensar com lógica  porque seu pensamento baseava-se mais no raciocínio do que na percepção;adquiriu as habilidades operatórias tão necessárias para a compreensão do mundo, fazendo com que  o imaginário e a realidade não se misturassem;começou a estabelecer  relações  coordenando diversos  pontos de vista ;manifestou aumento da percepção de si mesmo e do mundo – resultado  que se estendeu na ampliação das suas  relações sociais, capacidade comunicativa e pedagógica. Esses avanços deixaram evidentes a passagem para um novo período do desenvolvimento: a fase operatória concreta ( referente às crianças até 11-12 anos).

Sugeri, então, que fizesse, novamente, seu autorretrato. E ele mostrou que já se via bem diferente….

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Cerca de três anos depois, este mesmo rapaz mostrou-se  em próspera construção do pensamento hipotético-dedutivo, compreendendo outros processos – analógicos – da vida, apresentando  um nível de linguagem dialogado e de discussão; finalizou  o ensino médio e foi fazer parte de um  grupo  de jovens dentro da igreja;  quis tirar carteira de motorista, planejou um  futuro com filhos e uma profissão e, ao refazer o teste neuropsicológico, seu QI  foi alterado, para 90. O dado aparentemente estático e imutável do seu coeficiente de inteligência (QI) foi  alterado de 65 para 90, retratando a plasticidade neuronal.

Solicitei, então, novamente, seu autorretrato:

Os  testes projetivos estabeleceram três marcos no seu  desenvolvimento, momentos  flagrados e documentados através dos desenhos do autoretrato representados durante o  processo de intervenção. Isso significa plasticidade, que foi possível devido ao  trabalho multidisciplinar, costurado pelo trabalho psicopedagógico. Essa realidade de modificabilidade cognitiva aconteceu, também, na realidade familiar:sua  mãe  foi  candidata a vereadora de sua cidade nas  últimas eleições.

(Aparentes) Barreiras genéticas e ambientais não são decisivas nem  determinantes. Todos podemos  avançar, remodelar e modificar  condições estruturais e ambientais em função dos estímulos , das necessidades, experiências, percepções e  comportamentos que aprendemos a estabelecer com o meio externo e interno, permitindo uma constante adaptação, desenvolvimento e aprendizagem.

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