Boris Feldman: Por que não presta o motor a combustão?

A rigor, o motor dos nossos carros é um excelente aparelho de calefação…


Por Tribuna

26/11/2017 às 07h00

Leitor da coluna pergunta se acionar o ar quente do carro provoca um aumento no consumo de combustível. O raciocínio dele deve ter sido de que, se o sistema de ar-condicionado, para esfriar a cabine, aumenta o consumo, o mesmo deveria ocorrer ao se utilizar o dispositivo para esquentá-la.
Mas não é assim. O ar-condicionado funciona como uma geladeira e obriga o motor do carro a acionar um compressor que exige parte de sua potência. Por isso o consumo aumenta. E o ar quente? Existe à vontade – e de graça – já que o motor trabalha em elevadas temperaturas, pois seu princípio de funcionamento é exatamente a queima do combustível. A rigor, o problema do automóvel é o contrário: tem-se que montar todo um esquema para retirar o calor gerado pelo funcionamento do motor. É o sistema de refrigeração com radiador, bomba e galerias de água, mangueiras e ventilador. E, quando não funciona corretamente ou diante de uma irregularidade de funcionamento do motor, a água chega a ferver por excesso de calor.

Quem conviveu com o Fusca deve se lembrar de que oferecia, apesar de sua simplicidade, um sistema de calefação muito conveniente nos dias mais frios. Nada mais nada menos que uma válvula que se abria no túnel, ao lado da alavanca de mudanças e que permitia a passagem de ar quente para o interior do carro. Tudo muito simples, pois seu motor era refrigerado a ar que estava sempre aquecido. Bastava desviá-lo…

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Esta explicação sobre o ar quente disponível nos automóveis vai muito além e é extremamente significativa: demonstra também que o motor a combustão que movimenta todos os veículos (com as raríssimas exceções dos elétricos) é das máquinas mais ineficientes que se conhecem no mundo. A rigor, menos da metade da energia contida num combustível líquido (gasolina, etanol, diesel) é aproveitada para movimentar o carro. O resto tem que vencer o atrito entre centenas de peças móveis, movimentar periféricos (alternador, bomba de água, ventilador) e gerar calor que é trocado com o ambiente por dissipação no radiador. É até covardia comparar a eficiência de um motor a combustão com um elétrico, pois este aproveita cerca de 90% da energia fornecida. Vale lembrar que ele tem apenas uma peça móvel, o eixo acoplado a um rotor e dois rolamentos.

A grosso modo, tem o dobro da eficiência de um motor a diesel (50%) ou a gasolina (40%). Também pudera: o princípio de funcionamento dos motores a combustão não foi significativamente alterado desde sua criação, há mais de 130 anos. Basta lembrar do surrealismo de sua operação; os pistões, por exemplo, sobem e descem alternativamente dentro dos cilindros, atingindo velocidades acima de 100 km/hora em seu curso, estancam e param completamente quando chegam em cima ou em baixo e começam tudo de novo. Já se tentou aumentar sua eficiência com o pistão rotativo (Wankel), mas há dificuldades operacionais (mecânicas) difíceis de se resolver.

Várias outras tentativas de tornar o motor a combustão mais eficiente foram desenvolvidas nos últimos cem anos, com refinamentos mecânicos ou eletrônicos. Turbina, injeção direta, comandos variáveis, ciclo Miller ou Atkinson, compressão variável e muitos outros. Mas o grande salto tecnológico ainda não foi conquistado: o motor adiabático, que não troca calor com o ambiente.

Não chega, portanto, a ser uma extravagância dizer que o motor é uma máquina excepcional como aparelho de calefação e que, como sub-produto, fornece também energia para movimentar o automóvel. Há quem diga que nossas gerações serão abominadas no futuro por termos queimado pelo escapamento e dissipado pelo radiador milhões de bilhões de litros de petróleo. Uma utilização mais que fuleira, apesar das possibilidades de sua utilização de forma bem mais nobre, como na petroquímica.

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