A vaca, o imposto e o sindicato

Marcos José Ortolani Louzada
Economista da UFJF e mestre em Serviço Social


Por Tribuna

21/11/2017 às 06h30

Certa vez, um sábio andava com seu discípulo pela China e eles encontraram uma família muito pobre. Os membros dessa família sobreviviam no campo graças a uma vaca. Percebendo aquela situação de extrema pobreza, seu discípulo perguntou o que poderia fazer para ajudá-los. Em segredo, o mestre ordenou que, à noite, ele fosse àquela casa, pegasse a vaca e a jogasse num abismo. Mesmo sem entender, o discípulo seguiu suas ordens. Anos depois, os dois visitaram a mesma família, e aquela humilde residência se transformara numa rica e próspera fazenda. O discípulo foi até a família para saber o que ocorreu. Ouviu que, numa noite, a vaca que por anos lhes dera sustento havia morrido num acidente. A partir daí, eles tiveram que encontrar outros meios para sobreviver.

Começaram a plantar e descobriram que a terra em que viviam era muito fértil. Com muito esforço e trabalho, acabaram se tornando prósperos fazendeiros. Essa parábola é muito válida para analisarmos os impactos do fim do imposto sindical.
Na década de 1930, o então presidente Getúlio Vargas, preocupado com a oposição que surgia a partir de alguns sindicatos, criou as bases da atual legislação sindical. Ele ofereceu aos sindicatos a possibilidade de se legalizarem, impondo que, em uma determinada região e ramo, houvesse apenas um sindicato legal. É o que chamamos de unicidade sindical. Além disso, caberia ao Governo dar a carta sindical que reconhecia a legalidade dos sindicatos. Em compensação, os sindicatos que se legalizassem receberiam o Imposto Sindical. Com isso, Getúlio colocou muitos sindicatos sob sua tutela, construindo as bases para seus futuros projetos políticos.

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Passados mais de 80 anos, apesar de o imposto sindical ter contribuído para a construção de um grande aparelho social a serviço dos trabalhadores, avaliamos que, por outro lado, ele também desvirtuou a finalidade de muitos sindicatos. Acomodados com as receitas do imposto sindical, algumas entidades se afastaram das lutas, transformando-se em entidades assistencialistas, dando origem aos sindicatos de conformação ou “pelegos”.
No final da década de 1970, a CUT surgiu com o propósito de construir um novo sindicalismo, baseado na luta e na representatividade. Desde então, a CUT vem defendendo uma reforma sindical que acaba com a unicidade e o imposto sindical. Nesse sentido, mesmo antes do seu fim, em muitos sindicatos cutistas, o imposto já é devolvido. Além da CUT, outras centrais, como o CSP-Conlutas, orientam seus sindicatos a agirem da mesma forma.

Não devemos enxergar no fim do imposto sindical o fim dos sindicatos, muito pelo contrário. Ainda mais se considerarmos que a nova CLT delega aos sindicatos poderes de negociar direitos em prevalência ao legislado, salvo em se tratando de direitos previstos na Constituição Federal. Trata-se, entretanto, de um divisor de águas. Somente os sindicatos que sobrevivem das livres contribuições de seus associados, em função de sua combatividade e representatividade, conseguirão sobreviver neste novo cenário.
Seria muito proveitoso que, neste turbilhão de reformas, também fosse aprovado o fim da unicidade sindical. Aí também teríamos um ambiente propício ao desenvolvimento da pluralidade ideológica, permitindo uma representação mais fiel aos anseios dos trabalhadores, que obrigaria as entidades a um comportamento mais combativo a fim de preservar seus filiados.
Mas, enquanto isso não ocorre, pelo menos a vaca do imposto sindical foi para o brejo…

 

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