Voz e voto
Imunidade parlamentar deve valer para questões próprias do mandato, e não para proteger autores de crimes comuns
Em mais um capítulo de uma velha novela, Congresso e STF voltam a se enfrentar. Os deputados querem refazer a lei que trata do foro privilegiado, enquanto o Supremo analisa matéria sobre o mesmo assunto. Por conta de uma prerrogativa, os políticos têm se livrado de julgamentos de primeira instância e, mais do que isso, de prisões, como ocorreu na semana passada com o presidente da Assembleia do Rio de Janeiro, Jorge Picciani.
A imunidade parlamentar, que tanto se discute dentro e fora dos parlamentos, tem como essência garantir aos políticos o direito de voz e voto. Não mais do que isso. Hoje, pela interpretação própria que se concedem, crimes comuns também entram nessa lista, embora seja uma aberração. Não há cidadãos especiais quando se trata de isonomia legal.
No caso recente, os deputados são acusados de crimes comuns de corrupção sem qualquer ligação com votos ou opiniões em torno do mandato. A libertação do trio, porém, foi fruto da porta aberta pelo próprio STF, quando livrou o senador Aécio Neves de continuar afastado do mandato. Agora, na tentativa de resolver o dano, os próprios ministros interpretam que a medida só vale para senadores e deputados federais, o que não deixa, também, de ser um erro. De novo, a isonomia vai para o ralo.
A judicialização da instância política e a politização da instância judicial têm prestado grave desserviço ao país, por tratar-se de uma inversão de valores que não está capitulada na Constituição Federal. Ministros do Supremo, especialmente, têm sido players de debates quando deveriam falar apenas nos autos. Deputados e senadores, por sua vez, apresentam interpretações diversas sobre a legislação, quando deveriam se ater ao papel de fazê-las.
Nesse jogo de poderes, criam-se situações que os próprios atores tentam resolver da pior forma possível, pois já não sabem mais qual o papel que devem desempenhar.