UFJF defende enfrentamento de desigualdades

Instituição federal se posiciona um dia após Câmara aprovar moção contrária à direção do Colégio João XXIII


Por Renato Salles

25/10/2017 às 17h23- Atualizada 25/10/2017 às 20h24

Um dia após a Câmara ter aprovado, nesta terça-feira (24), moção de repúdio à direção do Colégio de Aplicação João XXIII, vinculado à Universidade Federal de Juiz de Fora, por conta da promoção de uma atividade com a presença da drag queen Femminino, a UFJF veio a público se posicionar sobre o tema, sem, no entanto, se curvar à posição definida pelo plenário do Poder Legislativo municipal. Em nota, a instituição federal reforçou entendimento de que, do ensino básico ao superior, suas políticas internas estão pautadas no enfrentamento das desigualdades e preconceitos “que geram práticas discriminatórias, opressivas e violentas contra as pessoas ou grupos sociais e reafirmou sua posição filosófica, sociológica e didático-pedagógica que fundamenta o debate da diversidade em sua política educacional”.

“A questão da diversidade se insere nesta perspectiva. Assim, buscamos cultivar uma cultura de respeito à vida e às diferenças, fortalecendo os processos democráticos de formação humana e de produção científica”, afirma o texto. Desta forma, A UFJF reforçou compromisso com “a educação pública, laica, democrática e republicana, tendo como parâmetros a Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional”. “Isto se traduz na formação de profissionais e na produção e divulgação de conhecimentos para o desenvolvimento social e ambiental da região e do país.” A Universidade ainda destacou o fato de a posição da Câmara ter sido definida por pequena diferença de votos – dez vereadores foram favoráveis à moção de repúdio, sete foram contrários e houve uma abstenção.

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Convite ao debate

A UFJF afirmou que irá dar sequência a “compromisso social de contribuir com o avanço e aprofundamento da democracia e com o combate às opressões e violências que ainda estão presentes em nossa sociedade”. A instituição federal ratificou posição já apresentada à Mesa Diretora da Câmara, convidando a Casa legislativa e seus vereadores ao debate sobre questões relacionadas à diversidade. O convite já havia sido oficializado pela Universidade após movimentações do presidente da Casa, o vereador Rodrigo Mattos (PSDB), que buscou estreitar o diálogo entre as partes antes da votação de pedidos de repúdio, que totalizaram três moções apresentadas por parlamentares – uma apresentada por André Mariano (PSC); outra por José Fiorilo (PTC); e uma terceira, que acabou aprovada e leva as assinaturas de André, Carlos Alberto Mello (Casal, PTB) Charlles Evangelista (PP) e Júlio Obama Jr. (PHS).

“Por fim, reiteramos nosso convite aos Vereadores, encaminhado no dia 23/10/2017, para participarem, junto à comunidade universitária e à sociedade, do seminário sobre a política de educação e a questão da diversidade, que realizaremos em novembro, no Campus da universidade, em Juiz de Fora”, afirma a nota da UFJF.

Câmara não tem prazo para encaminhar moção

Segundo a assessoria da Câmara, a moção de repúdio apresentada pelos vereadores André Mariano (PSC), Carlos Alberto Mello (PTB), Charlles Evangelista (PP) e Júlio Obama Jr. (PHS) não tem data para ser encaminhada à UFJF. Não há no regimento interno da Casa prazo máximo para o envio, e o repúdio irá entrar em uma fila de dispositivos parlamentares aprovados anteriormente e que ainda precisam ser destinados a órgãos públicos e outras entidades. Independentemente do fato de os vereadores Adriano Miranda (PHS), Antônio Aguiar (PMDB), Cido Reis (PSB), Kennedy Ribeiro (PMDB), Marlon Siqueira (PMDB), Roberto Cupolillo (Betão, PT) e Wanderson Castelar (PT) terem se posicionado contrários ao repúdio, a moção a ser direcionada à UFJF tem peso institucional e será encaminhada em nome do Poder Legislativo municipal.

Aprovada por dez votos a sete, a moção de repúdio cita o que quatro parlamentares autores da proposição chamam de “ideologia de gênero”. Para André, Mello, Charlles e Júlio, a atividade realizada pelo Colégio de Aplicação João XXIII confronta e desrespeita “princípios e valores”, na opinião dos vereadores, “ainda traduzem o pensamento da maioria da sociedade brasileira”. Como justificativa, o texto assinado pelos vereadores destaca o fato de a atividade ter sido direcionada a crianças, “entre 6 e 9 anos, aproximadamente”. “O aspecto mais grave disso tudo radica no fato de que o público-alvo da apresentação não foram adolescentes, jovens ou adultos, não foram, assim, pessoas com necessário discernimento e maturidade para avaliação e tomada de posição”.

Os quatro vereadores ainda tentaram refutar possíveis interpretações preconceituosas dadas ao texto por grupos contrários ao repúdio. “Acreditamos no pluralismo das ideias, das doutrinas e das concepções de mundo e de sociedade. Acreditamos que a verdadeira democracia não pode cercear o livre trânsito das diferentes concepções. Mas partimos do pressuposto de que este debate deve envolver pessoas com poder de crítica e de discernimento, pessoas aptas a conduzir sua escolha e sua vontade”, afirma o texto da moção, uma vez mais ressaltando a atividade voltada a alunos do Colégio de Aplicação João XXIII. “Neste sentido, o que aconteceu foi uma violência, já que se tentou, literalmente, impor um modelo de comportamento, um tipo de ideologia a pessoas que, repita-se, não têm a mínima capacidade de julgar, aferir, concordar ou discordar, com o devido discernimento das ideias

ali postas”, argumentam, por fim, os parlamentares.

Votação foi acompanhada por grupos favoráveis e contrários a repúdio

O debate foi acompanhado por grupos favoráveis e contrários ao repúdio. Entre os que defendiam a moção, um grupo de pastores evangélicos esteve presente no plenário e entregou à Mesa Diretora um documento que apoiava a aprovação da moção e foi lido em plenário durante a sessão desta terça-feira, quando também foi lido requerimento apresentado pelo Conselho de Pastores de Juiz de Fora e Região (Conpas) repudiando o que os religiosos chamam de “ideologia de gênero” e a atividade realizada no Colégio de Aplicação João XXIII.

“Tal ideologia fere princípios básicos do Cristianismo, da Ciência e até do bom senso, posto que o Cristianismo afirma peremptoriamente que o Senhor do Universo criou Homem e Mulher, desde o ventre, antes mesmo de sair do útero; que a Ciência corrobora neste diapasão quanto a existência de tão somente dois gêneros, e que estes são plena e factualmente comprovados/atestados pelo que a mesma entende como Ciência, não há o que se demonstrar de outra forma, ou se nasce homem ou mulher, querer impingir sobre a sociedade e covardemente sobre as crianças é inqualificável”, afirma o texto assinado pelo Conselho de Pastores.

Por outro lado, também se fizerem presentes na audiência do Palácio Barbosa Lima representantes de professores, estudantes e movimentos sociais contrários à moção. Após o revés na votação, os manifestantes prometeram manter a mobilização. “Entendemos que a moção de repúdio não determina nada sobre as nossas vidas. Vamos continuar na militância, defendendo quem realmente precisa. Entendemos que isso é um desserviço à população “, afirmou a representante da Marcha Mundial das Mulheres, Laiz Perrut.

A militante defendeu ainda que as discussões parlamentares sejam direcionadas a temas mais pertinentes, como o acesso à educação. “Devíamos ouvir discussões sobre o número de vagas no João XXIII, pedidos de abertura de mais vagas na UFJF. Porém, estamos acompanhando votações de repúdio a um colégio que é altamente bem avaliado. Entendemos que atitudes como essas levam a um nível de LGBTfobia e preconceito tão fortes que a consequência é a morte de milhares de pessoas LGBT por dia. Não temos nada planejado ainda, vamos continuar acompanhando e nos manifestando em outras oportunidades.”

Apoio à UFJF

Ontem, o Conselho Municipal de Cultura (Concult) manifestou, por meio de nota, apoio à UFJF, ao Colégio João XXIII e ao artista performático Nino de Barros, que interpreta a drag queen Femmenino. “O Concult defende a discussão em torno da diversidade e repudia toda e qualquer forma de censura à arte e à produção cultural. Somos contra a expansão do radicalismo, do conservadorismo exacerbado, do sexismo e do discurso de ódio”, afirma o texto do conselho. Na semana passada, outras entidades já haviam se posicionado contra as moções, como as comissões de Direitos Humanos e Cidadania e de Defesa dos Direitos das Crianças, Adolescentes e Jovens do braço local da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/JF).

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De lados opostos, deputados se posicionam após decisão

A aprovação da moção de repúdio à direção do Colégio João XXIII pela Câmara repercutiu além das fronteiras do Poder Legislativo Municipal. Após a aprovação do dispositivo, dois deputados eleitos em 2014 com domicílio eleitoral em Juiz de Fora correram às redes sociais para defender e criticar o repúdio. Eleito para o primeiro mandato na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), o deputado estadual Márcio Santiago (PR) – que também é pastor missionário e sobrinho do líder da Igreja Mundial do Poder de Deus, o apóstolo Valdemiro Santiago – saiu a favor dos vereadores que validaram a moção. “Tentam confundir nossas crianças com esta maldita ‘ideologia de gênero'”, afirmou em vídeo publicado pelo Facebook, em que pediu para que “Deus abençoe os mandatos” dos parlamentares juiz-foranos que validaram a proposição.

Por outro lado, a deputada federal Margarida Salomão (PT) utilizou a mesma rede social para manifestar solidariedade à direção do Colégio de Aplicação João XXIII e à UFJF, ante a moção de repúdio classificada como “absurda” pela parlamentar. “O João XXIII e a UFJF são patrimônios da educação pública, juiz-forana e brasileira. Trata-se de instituições que, há décadas, esmeram-se no sentido de formar, com excelência, cidadãos, cidadãs e profissionais qualificados. Mais do que isso, são instituições que lutam para inserir Juiz de Fora e Zona da Mata mineira no circuito nacional da pesquisa científica e inovação tecnológica”, afirmou a petista.

Margarida manifestou respeito e apoio a docentes e servidores ligados à instituição federal em ambas as instituições e solicitou aos profissionais que “mantenham, de modo sereno e confiante, o propósito de enfrentar preconceitos e disseminar as luzes que constam de seu mote originário”. Cabe lembrar que a deputada é professora da UFJF e já exerceu a Reitoria da Universidade por dois mandatos, entre 1998 e 2006.

Placar foi apertado: 10 a 7

A moção de repúdio foi aprovada nesta terça-feira (24) seguindo o mesmo clima tenso já observado na semana passada, quando a polêmica havia chegado à Câmara com as apresentações das duas primeiras moções de repúdio, assinadas por André Mariano (PSC) e José Fiorilo (PTC). Na ocasião, os dois vereadores se mostraram indignados com a publicação pela UFJF de um vídeo em que a drag queen Femmenino, vivida pelo estudante Nino Barros, visita o Colégio João XXIII, onde interage com alunos da escola. A gravação integrou o quadro “Na hora do lanche” e fez parte das atividades relacionadas ao Dia das Crianças. As moções iniciais, no entanto, acabaram sendo retiradas após movimentações conduzidas pelo presidente da Casa, o vereador Rodrigo Mattos (PSDB), que defendeu a busca de diálogo com a UFJF ante de ocorrer as votações do repúdio.

A busca por entendimento, no entanto, durou apenas uma semana. Após a UFJF não sinalizar uma visita à Câmara, pleito defendido em plenário por André, e convidar os vereadores a participar de um seminário em que conceitos de diversidade serão abordados, quatro parlamentares – André, Carlos Alberto Mello (Casal, PTB), Charlles Evangelista (PP) e Júlio Obama Jr. (PHS) – apresentaram uma terceira moção de repúdio nesta terça-feira. Diante da apreciação da proposta, o plenário derrubou pedido de avulso feito por Roberto Cupolillo (Betão, PT), que podia adiar a apreciação do texto para esta quarta-feira (25).

Assim, a votação ocorreu de forma nominal, com texto sendo validado por dez votos a sete. Os vereadores que se posicionaram favoráveis à moção foram Ana Rossignoli (PMDB), André Mariano (PSC), Charlles Evangelista (PP), João Coteca (PR), Júlio Obama Jr. (PHS), Carlos Alberto Mello (Casal, PTB), Luiz Otávio Coelho (Pardal, PTC), Sheila Oliveira (PTC), Vagner de Oliveira (PSC) e José Márcio (Garotinho, PV). Os parlamentares que votaram contra o repúdio são: Adriano Miranda (PHS), Antônio Aguiar (PMDB), Betão (PT), Wanderson Castelar (PT), Cido Reis (PSB), Kennedy Ribeiro (PMDB) e Marlon Siqueira (PMDB). Curiosamente, José Fiorilo (PTC), que chegou a apresentar uma moção de repúdio à atividade, optou por se abster da votação.

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