Chique é chorar pelos mortos na França!


Por Daniela Arbex

22/10/2017 às 07h00

Somos, de fato, seletivos em tudo, até na dor. Quando um atentado terrorista atingiu o jornal satírico francês Charlie Hebdo, em 7 de janeiro de 2015, em Paris, deixando 12 mortos, o mundo se vestiu de luto. O que se viu ao redor do planeta foi uma imensa rede de solidariedade, alimentada pela campanha espontânea nas redes sociais “Somos todos Charlie” (Je suis Charlie), que levou milhões de pessoas a saírem às ruas para protestar contra a ameaça terrorista. Na ocasião, mais de 40 líderes e chefes de Estado se encontraram com o presidente François Hollande para reafirmar seu compromisso no combate ao terrorismo. Não só o Arco do Triunfo foi iluminado com o slogan “Je suis Charlie”, mas os perfis no Facebook foram alterados por milhões de usuários que passaram a estampar, temporariamente, a frase em suas páginas.

Dois anos depois, mais de 300 pessoas perderam a vida no atentado terrorista mais sangrento da história da Somália. Em guerra civil há mais de 20 anos, o país da África Oriental foi atingido, recentemente, por dois ataques orquestrados em sequência. No pior deles, um caminhão carregado de explosivos foi estrategicamente estacionado no coração de Mogadíscio, próximo a um caminhão de combustível, potencializando o poder de destruição da explosão que afetou vários quarteirões, atingindo hotéis, embaixadas, prédios governamentais. O outro ataque foi em um mercado. O governo da Somália acusou o Al-Shabab pelo atentado, um grupo terrorista ligado à Al-Qaeda.

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Classificado pela ONU de “revoltante”, o atentado que atingiu o povo somali não parou o mundo, nem levou os habitantes de outros países a carregarem cartazes de apoio. É como se ficássemos surdos à explosão que produziu uma matança em massa e deixou dezenas de feridos graves, a maioria com mutilações permanentes. É estranho pensar que o nosso pranto só é vertido para alguns tipos de tragédia. Sempre defendi que a dor humana dói mais quando é ignorada. O episódio da Somália confirma que só vestimos a pele do outro quando nos interessa, afinal chique mesmo é chorar pelos mortos na França!

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