A política no banco dos réus
Bruno Carlos Medeiros, jornalista, escritor e estudante de Direito
Certos termos carregam a pretensão de sintetizar uma era, mesmo quando esta é maculada pela preponderância de complexas e caóticas idiossincrasias. A pós-verdade é a definição da realidade quando soterrada por visões mais sedutoras às convicções: a verdade, desfigurada em factoides, amoldando-se aos pontos de vista particulares e municiando metralhadoras de certezas – em forma de sopapos verbais que, ao extremo, se materializam.
Recorrendo ao universo jurídico, embora consagrada a imprescindibilidade dos ritos que garantem o contraditório e a ampla defesa, no tribunal em que somos magistrados – cada um de nós tem o direito de manter sua unidade imaginária, desde que a prive de uma sobrevida além dos limites dos próprios devaneios -, é permitido que se faça picadinho da legislação processual e dos princípios constitucionais, livres para condenar e trancafiar – vez ou outra, fuzilar -, respaldado unicamente pelas próprias certezas, quaisquer desafetos, mesmo que sem provas, sentenciando de acordo com o simples apreço. Até que a consciência, ao emitir seus alertas em nome da prudência, permite que abdiquemos do desejo de homologar, no juízo competente, as sentenças por nós proferidas enquanto investidos dos poderes de nossas togas imaginárias.
As discussões políticas, em especial, tornaram-se terreno fértil para o debate, natimorto quando dos personagens focalizados se sobressaem nuances de pele que destoam dos tons caucasianos, que têm as provas como escopo. “Deve-se condenar com provas” é uma das máximas que se tornaram onipresentes no discurso dos que, com a iminência de uma sentença condenatória, exploram a factível total impossibilidade de colhê-las. Afinal, exigir além do que indícios – ainda que robustos -, as tais “provas cabais” de que tanto se fala, é o estratagema mais efetivo para limitar, próximo do esgotamento, as possibilidades de uma punição, às favas com as incontáveis evidências que apontam para o caminho da forca.
Não é por menos que não se sabe da existência de agentes políticos que tenham confessado seus maus costumes, particularmente por estes dominarem as armas poderosas às quais recorrem para promover a degenerescência dos fatos que os desonram, em especial por sua sobrevivência pública – e das infinitas benesses advindas dela – condicionar-se à sua aptidão de arrebatar as multidões hábeis a dar-lhes guarida, justo os menos dispostos a incorporar a real representação do bem coletivo.
Nos tribunais fictícios da mente, dos quais nos nomeamos eméritos presidentes, é o critério que vem prevalecendo: o apreço sem cautela, sem reprimendas da consciência, descompromissado com a proporcionalidade – em sintonia com os postulados da pós-verdade, mirando a subsistência de controversas e anacrônicas ideologias.
É o sacrifício do estado democrático de direito em prol da promoção do triunfo de quem deveria escoltá-lo. A verdade agoniza, dependurada no prefixo.