Núcleo Travessia tem baixa ocupação

Equipamento público inaugurado há mais de um ano na Vila Olavo Costa foi criado para sediar atividades da própria comunidade, mas é pouco conhecido pela população


Por Rafaela Carvalho

09/09/2017 às 06h00

Crianças participam de aulas de capoeira, uma das oficinas oferecidas entre os projetos. (Foto: Leonardo Costa)

Melhorar as condições de vida da população por meio de ações integradas nas áreas de saúde, educação, moradia, saneamento, organização social e renda, com foco no território. A realização do objetivo do programa Travessia, implantado na Vila Olavo Costa, esbarra na baixa ocupação do espaço e na divulgação insuficiente da agenda de atividades apontada por moradores. Criado pelo Governo estadual em 2008 e trazido para Juiz de Fora em 2009, o Complexo Travessia só foi entregue à população no dia 30 de junho do ano passado. Desde então, a gestão do equipamento passou por dificuldades, como a depredação do prédio menos de 15 dias após a inauguração, quando cerca de 70 vidraças foram destruídas, e a interdição pela Defesa Civil no início deste ano devido a estragos causados pela chuva.

Implantado na cidade para facilitar o acesso dos habitantes de seis bairros da Zona Sudeste a ações educativas e culturais, visando a evitar o envolvimento de crianças e adolescentes com o tráfico de drogas e, consequentemente, diminuir a violência na região, o complexo de 20 mil m² inclui uma Unidade Básica de Saúde, um campo de futebol e um prédio de dois pavimentos. Dentro do imóvel, chamado de Núcleo Travessia Padre Aloísio Jorgler, há salas multiuso destinadas à realização de oficinas, ensaios, reuniões e encontros comunitários, sala de leitura com cinco computadores disponíveis para a população, auditório e área de lazer. Além disso, o prédio também conta com uma unidade do Centro de Referência em Assistência Social (Cras). Entretanto, muitas pessoas não sabem que podem utilizar o espaço.

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“Para mim, é pouco utilizado. Nem sei o que tem lá dentro, para falar a verdade, e acho que o maior problema é a falta de divulgação sobre o local. Acho que falta algo atrativo para os jovens e acredito que se o espaço fosse utilizado para fazer oficinas e palestras seria mais bem aproveitado”, afirma a estudante e cantora de rap Jaiani Oliveira, de 15 anos. Ela mora na Vila Olavo Costa e afirma que nunca entrou no complexo.

A também cantora Lavínia Rufino, de 16 anos, companheira de Jaiani na dupla Vozes do Equilíbrio, que nasceu na comunidade, concorda que a falta de divulgação dificulta o acesso dos jovens às atividades oferecidas. “Poderiam promover aulas de dança, canto, palestras sobre intolerância. Outro bom uso seria a instalação de uma rádio comunitária e a oferta de cursos profissionalizantes como manicure e cabeleireiro, por exemplo.”

Usuários aprovam

Mesmo com a oferta de aulas de ginástica, capoeira e percussão já funcionando no local, além da biblioteca, a média semanal de participantes nas atividades é de 100 pessoas, conforme a SDS. A falta de divulgação da agenda de atividades é apontada até mesmo por pessoas que frequentam o local. A costureira Elenice Maria da Costa Silva, moradora da Vila Ideal, pratica ginástica com instrução de um professor cedido pela Secretaria de Esporte e Lazer, mas acha que falta incentivo para os jovens. “Vou até o Travessia duas vezes por semana. Eu já fazia ginástica pela Prefeitura em outros lugares antes, mas acho que a estrutura no núcleo é melhor. É uma pena que os jovens não se sintam atraídos a frequentar o local, porque é muito bom.”

Apesar dos problemas, as atividades são avaliadas positivamente pelos usuários. “Já praticávamos essas atividades antes pela Prefeitura, mas quando passamos a fazer ginástica no Núcleo Travessia melhorou bem, porque é bem limpinho. O professor nos ensina diversas atividades”, conta a dona de casa Geny da Silva Alves. Para o vigilante Oscalino Celestino da Silva, a estrutura do local passa a sensação de segurança. “O núcleo é muito bom para nós, idosos, que não ficamos expostos e temos um local seguro para praticar atividades físicas.”

Banco para auxiliar famílias fica no papel

Desde a inauguração do Travessia, há pouco mais de um ano, a SDS é responsável por gerir o espaço, construído com recursos do Governo estadual. No total, segundo a pasta, R$ 3,6 milhões foram repassados pelo Estado para a construção do complexo. A Prefeitura participou com contrapartida de R$ 766.714,47 e com a gestão do equipamento. Finalizado no final do primeiro mandato do prefeito Bruno Siqueira (PMDB), o projeto veio para Juiz de Fora em 2009, durante a gestão do ex-prefeito Custódio de Mattos (PSDB).

A proposta inicial era construir uma sede do Banco Travessia, projeto por meio do qual famílias em situação de risco social receberiam incentivos para que os jovens continuassem na escola. O núcleo seria construído para sediar o banco. No entanto, o projeto não foi adiante e surgiu a ideia de utilizar o espaço com outra finalidade. Sete anos após a proposta inicial, o equipamento foi entregue à população, mas sua gestão continua passando por entraves.

Segundo o secretário de Desenvolvimento Social do município, Abraão Ribeiro, o objetivo do Complexo Travessia, do modo como está construído hoje, é oferecer infraestrutura para que projetos da comunidade possam ser executados. “O núcleo foi colocado naquela região por conta das suas características, considerando a vulnerabilidade social, o índice de criminalidade e a presença do tráfico de drogas. A ideia é trabalhar, principalmente com as crianças e adolescentes dos bairros Vila Olavo Costa, Vila Ideal, Guaruá, Furtado de Menezes, Vila Ozanan e Poço Rico.

No entanto, fatores como a inauguração do equipamento em ano eleitoral, que, conforme a SDS, prejudicou o processo de divulgação, teriam atrapalhado a ocupação plena. Outro desafio apontado pela SDS é o entendimento de que a estrutura foi feita para utilização da própria população.

O fato estaria relacionado com a proposta inicial de o complexo envolver a presença contínua da Polícia Militar com o Ambiente de Paz. Segundo a SDS, a comunidade teria entendido a parceria como a instalação de uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), o que teria causado certa resistência e do que pode ter derivado, inclusive, a depredação do espaço. “Ainda estamos trabalhando a questão do pertencimento. Do ponto de vista social, não se cria essa identificação e identidade a curto prazo. À medida que a comunidade tem seus anseios atendidos com demandas pontuais, isso começa a ser superado”, diz o secretário.

Na sala de leitura, cinco computadores estão à disposição dos usuários. (Foto: Leonardo Costa)

Comitê gestor

Para ampliar o contato com a comunidade, foi formado o comitê gestor do Travessia, composto por seis servidores da Prefeitura e seis líderes da região. O grupo criou um plano de ação para definir a ocupação. Apesar de algumas ações estabelecidas no plano já estarem sendo tomadas, ainda não há previsão para finalização. Atualmente, a agenda tem oito aulas de ginástica, duas aulas de capoeira e duas aulas de percussão.

Em nota, a SDS afirma que “para que não sejam criadas falsas expectativas na população, o plano de ação, determinado pelo senhor prefeito em junho de 2017, vem sendo construído com a certeza da exequibilidade do mesmo. Durante esse tempo, o espaço aumentou o acesso às aulas de ginástica, abriu para reuniões da comunidade e recebeu uma instrutora da Secretaria de Educação, que promoveu grande acesso do público infantil à brinquedoteca e à inclusão digital, trazendo alunos e alunas da rede pública para fazerem trabalhos no computador com acesso à internet.”

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Impasse com associação

Com a disponibilização do Travessia para a população, o objetivo era que a comunidade fizesse uso do espaço gratuitamente, por meio da cessão da infraestrutura para projetos criados por moradores da região. A Associação de Assistência Social, Reciclagem e Artesanato Lixarte preenche este requisito, mas não conseguiu utilizar o Travessia para a realização de um seminário sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e racismo institucional.

Segundo o fundador da Lixarte, Reginaldo Barbosa da Silva, mais conhecido como Bulu, a associação entregou à SDS um projeto que continha diversas propostas de atividades para serem executadas no núcleo, como seminários, cursos profissionalizantes e programas educativos, entre outros. No entanto, ele afirma que não houve resposta sobre a proposta. “Finalizamos o projeto há cerca de três meses, com o objetivo de executar um trabalho com os adolescentes da região e nem obtivemos resposta. Tivemos que procurar outro local para desenvolver esse trabalho.”

Conforme Bulu, a SDS foi procurada, mas não se posicionou, o que causou frustração para os integrantes da associação. “Tem algumas ações durante a semana no Travessia, e queríamos usar nos fins de semana, mas não conseguimos. Nos sentimos discriminados, pois até agora não nos responderam. De que adianta querer fazer o trabalho estando dentro da comunidade, se não nos aceitam?”, questiona.

“Nossa intenção era levar a comunidade lá para dentro, para eles entenderem o que é o núcleo Travessia. Mas quando solicitamos para usar o espaço, informaram que em algumas das datas propostas, já havia agenda no local. Tínhamos um projeto de qualificação profissional para os jovens, mas não conseguimos fazer”, lamenta o presidente da Lixarte, Leandro Eulálio.

Questionada sobre a situação com a Lixarte, a SDS afirmou, por meio de nota, que a associação “nunca teve seus pedidos ou acesso ao núcleo negado”. A pasta segue informando que “estão registradas todas as reuniões e atividades que eles realizaram no Núcleo Travessia, tanto no livro de ocorrências da unidade quanto no relatório mensal de atividades enviado para a Secretaria de Desenvolvimento Social. Com relação à autorização para realização de atividade cultural da Lixarte, foi comunicado não oficialmente, que aguardassem um pouco pela definição do Plano de Ação Intersetorial, para organização da agenda do núcleo.”

 

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