‘Feira independente de qualquer coisa’

Feirinhas que se espalham pela cidade são o espelho uma geração que está atenta para uma nova forma de consumir


Por Carime Elmor

09/09/2017 às 06h00- Atualizada 21/09/2017 às 13h38

A Feira de Quintal acontece no Complexo Casa e busca personalizar os temas de cada edição (Foto: Caio Lima)

O título da matéria foi oportunismo meu de pegar emprestado o nome de uma feira que acontece no Rio de Janeiro com moda, gastronomia e arte. A próxima edição é, inclusive, em 8 de outubro na Praça Saens Pena, que fica na Tijuca. O título é perfeito: as feiras vão acontecer independentemente de tudo e, também, de qualquer percalço, além de serem feiras com curadoria aberta para os mais variados produtos de criadores independentes (da comida ao vestuário e a peças de arte).

Senso de comunidade e colaborativismo fazem parte de um inconsciente coletivo geracional. Muitos que têm hoje seus 20, 30 e até 40 anos (não depende tanto do ano em que se nasceu, e mais de um estilo de vida e pensamento que começou a ressurgir e ser reverberado), se forem parar para pensar em suas últimas aquisições, com certeza lembrarão de collab stores, bazares, brechós, sebos e produtores de comidas veganas não-industrializadas. Esse questionamento sobre uma independência em relação à máquina industrial, com a ocupação de espaços destinados a escoar o que nossos amigos e amigos de amigos estão confeccionando, é um dos símbolos de uma economia mais criativa e compartilhada.

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Comprar é um ato social

“Lowsumerism” é um termo anticonsumismo, ligado a um poder de compra consciente, que rebate as marcas que poluem, repercutem discursos preconceituosos ou utilizam mão-de-obra escrava e infantil. Esse caminho para uma mudança de comportamento tem propósitos tanto ambientais quanto político-econômicos. Em Juiz de Fora, por exemplo, existe a Casa do Lago, que participa de feiras vendendo seus cosméticos naturais feitos completamente com ervas medicinais e orgânicas de cultivo próprio. Assim, a indústria dos cosméticos começa a ser driblada por pessoas que hoje produzem sabonetes, desodorantes, hidratantes e até mesmo cremes dentais e comercializam para uma rede que compartilha dessa ideia. A beleza feita em casa quebra ainda mais com os padrões que tanto lutamos contra.

O caminho político-econômico é o mais visível. É a possibilidade de produtores comercializarem a partir de uma rede que divide os mesmos valores e busca o trabalho autoral em detrimento das reprodutibilidades que rolam nas esteiras das fábricas, sem parar.

A próxima edição do Mercado Aberto está prevista para início de outubro (Foto: Brenda Marques)

Em Juiz de Fora, o Mercado Aberto se tornou uma grande feira independente. Diego Casanova e Alice Linhares organizaram a primeira edição em 2014, a céu aberto, ocupando a Praça Jarbas de Lery, no São Mateus. Poucos eventos culturais são fixados neste local, consequentemente pequenas marcas e produções caseiras passaram a dar as caras a cada nova edição. A última, de número 13, aconteceu em agosto deste ano.

A partir daí, instaurou-se a cultura de feirinhas em Juiz de Fora, como um vírus do bem que se espalha e ganha força, modificando até mesmo o cotidiano daqueles que esperam por esses eventos para conhecer o que de autêntico está sendo pensado e confeccionado por aqui. A curadoria diversificada é preciso ser feita para garantir a renovação e impulsionar novas criações. Não há mais espaçamentos. Em um mesmo final de semana, pode ser que aconteçam de duas a três feirinhas concomitantemente. O Som Aberto tornou-se outro grande evento que tem como um de seus focos o “Grand Bazar”. Mensalmente reúnem-se produtores independentes e garimpeiros de múltiplas áreas no Campus da UFJF.

Essa é a prova de que antes o que poderia ser produzido em baixíssima escala, apenas para amigos ou sem nenhuma comercialização, começa a se profissionalizar até se tornar uma marca e um ofício.

A moda é outro nicho que serve de exemplo como precursor dessa cultura em Juiz de Fora, Não à toa praticamente todas as feirinhas ao ar livre ou em casas têm em suas listas de participantes brechós. Atualmente o Bazar Vintage e o Garimpo das Artes são as principais “feiras” de brechós. A próxima edição do Garimpo será no dia 16 de setembro, a partir das 10h, reunindo bazares que tenham como característica o baixíssimo preço. Além disso, flash de tatuagem e banquinhas com comida de produtores locais também complementam o evento. Já o Bazar Vintage está marcado para 7 de outubro, também começando 10h, na Casa de Cultura da UFJF. A primeira edição do evento foi em outubro de 2013.

#Mercado aberto

Em suas duas últimas edições, a feira que começou na Praça Jarbas de Lery, no São Mateus, ocupa o Parque Halfeld (Foto: Brenda Marques)

Inspirados em feiras que acontecem espalhadas pela Europa, Alice e Diego ocuparam a praça de São Mateus em dezembro 2014 para escoar a criação de pequenos produtores, incluindo a marca da organizadora do Mercado Aberto, “O gato da Alice”, de acessórios e enfeites trabalhados com panos e bordados. “O contexto foi de insatisfação com as oportunidades que a cidade oferecia para pequenos produtores, e a falta de eventos culturais que ocupassem o espaço público de forma mais informal”, explicam os idealizadores sobre o momento em que surgiu a primeira edição.

Comidinhas caseiras, brechós, meias divertidas, bijous, ilustrações e cerveja artesanal são colocadas em tendas e banquinhas. Deixando um encanto a mais no cenário urbano, transformado pela feira. O impacto foi imediato para quem conquistou espaço a fim de poder divulgar e vender seus trabalhos. Eles explicam que, nesses quase três anos de Mercado Aberto, as marcas perceberam que era preciso se profissionalizar para atender um mercado que está crescendo e se tornando cada vez mais exigente. Também destacam que “a concorrência também estimula muito esse processo de profissionalização, pois as marcas sentem que suas concorrentes estão melhor posicionadas, seja com uma identidade visual mais elaborada, ou com um processo de produção mais organizado”.

Segundo a dupla, as duas últimas edições do Mercado Aberto foram para o Parque Halfeld, região central e mais democrática, onde provavelmente vai acontecer a 14ª feira, no início de outubro. Com isso, conseguiram ampliar o número de expositores e se unir a outros artistas independentes, transformando a feira em um evento que já faz parte da cultura na cidade. Felizmente as feirinhas se espalham, e buscar autenticidade é o caminho para não cair na repetição e saturar a ideia. “O cuidado com a curadoria, a preocupação de buscar novos expositores com trabalhos autorais e a abertura para feedbacks do público e dos produtores, são os fatores essenciais para uma renovação e evolução constante do evento”, defendem os criadores do Mercado, apontando para uma nova visão de modos de produção. Para eles, as feiras e produções artesanais estão impactando as marcas como um todo.

“Parece que está acontecendo uma busca por algo mais autêntico e original, um produto final com uma identidade única, algo que a produção em grande escala não consegue atender. Nesse ponto, os pequenos produtores e as ferias representam um horizonte para essas grandes marcas”.

Mercado Aberto
Parque Halfeld – Centro

#Feira de Quintal

Seis edições em um ano: feira acontece no charmoso quintal de uma casa no Altos dos Passos (Foto: Caio Lima)

A primeira aconteceu junto à inauguração do Complexo Casa, espaço colaborativo de coworking e eventos localizado no Altos dos Passos. De junho do ano passado para cá, já foram seis edições e, no próximo dia 16 de setembro, acontece a Feira de Quintal especial gastronômica, com expositores de comidas, desde hambúrgueres a cozinha vegana, também drinques e cervejas. Desde o início, a ideia da Maria Fernanda Manna, ou Mafê, criadora do espaço, foi pensar propostas que tornassem a feira mais personalizada, menos “feira de qualquer coisa”. Então ela começou a fazer edições segmentadas. Já aconteceu feira especial Girl Power, somente com expositoras mulheres. Também feira com temática black, participando criadores independentes de produtos ligados à cultura negra.

“O lance das feirinhas é mais como um programa diurno. Opção de compra, bebida, comida e socialização. As pessoas combinam com um grupo de amigos para aproveitar o dia. E quem está na experiência sempre vai se identificar com um produto que esteja sendo vendido. As pessoas passam o dia e é gratuito, por isso, elas podem passar pelo Complexo e também por outras feirinhas que estejam acontecendo no dia”, comenta Mafê.

Além disso, em suas feirinhas ela sempre coloca música ao vivo ou discotecagem, e flash de tatuagem. Isso tornou-se um ponto forte, a ponto da edição de outubro ser uma feira somente com tatuadores, que, além das tattoos, estarão expondo e vendendo prints de suas ilustrações.
“A feira deu um impulso para essa galera, a cultura local deu uma crescida. Até para pessoas que produzem coisas mínimas, como imãs, por exemplo. Estudantes universitários também estão tendo a oportunidade. Muitas vezes não é o trabalho principal da pessoa, mas coisas que antes ela fazia por hobby ou somente para amigos, agora estão se transformando em microempreendimentos. Alguns já até criaram um MEI, por exemplo”, explica Mafê. MEI é um registro do Sebrae para microempreendedores individuais formalizarem suas atividades.

Complexo Casa
Rua Padre João Emílio, 167 – Altos dos Passos

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#A Feirinha

A feira é uma forma de levar pessoas para conhecerem o novo espaço cultural ‘A Toca’  (Foto: Zé Zorzan)

O nome já indica o que deve ser, A Feirinha é criação de A Toca, espaço que inaugura em outubro em Juiz de Fora, com três vertentes: um café, uma livraria de rua e um canil para adoção de gatos. Enquanto não abre oficialmente para funcionamento diário, Gabi Müller, responsável pela casa que fica no Granbery, fez duas edições da A Feirinha com intenção de apresentar e aproximar produtores para que conheçam e façam parte do lugar. A principal percepção da Gabi sobre as feiras de produtos artesanais e independentes é o despertar para uma nova forma de consumo.

“Uma característica forte da nossa geração é pensar em outras formas de consumo. Fico pensando como esse movimento, agora vai afetar muito como vão ser as coisas mais para frente. Já que é uma maneira de mostrar para as grandes indústrias que elas precisam mudar seus discursos e seus modos de produção”, afirma Gabi.

Ela, por exemplo, é vegetariana e encontrou nas feirinhas a possibilidade de adquiri produtos acessíveis e confiáveis, feitos em casa, menos industrializados. Outra característica são as araras de brechós nesses espaços, ela sempre gostou de garimpar e pensa nas feirinhas como um suporte para esse público. “As pessoas precisam parar de ficar comprando tanto e produzindo mais lixo”. No dia 30 de setembro, rola o Café da Tarde, com produção de bolos, biscoitos e pães feitos em casa por pessoas de Juiz de Fora.

A Toca
Rua Delfim Moreira, 126 – Centro

#Feira Batuta

Foco de feira em estúdio musical é em produtores independentes iniciantes e tatuagem (Foto: Luiza Reis)

O Maquinaria, junto a Luiza Reis, está organizando a terceira edição da Batuta, no dia 17 de setembro, a partir das 15h. Luiza adora colecionar expressões antigas e, portanto, pouco usuais hoje em dia, e veio daí o insight para o nome. Já a concepção da feira apareceu por observar esse movimento na cidade mesmo.

“Quando eu não estava trabalhando, sempre ia ao Mercado Aberto, Bazar Vintage e Som Aberto. Até que um dia eu pensei que o Maquinaria fica sempre funcionando por conta dos ensaios no estúdio e sugeri fazermos uma feirinha aos domingos, desatrelado dos ensaios das bandas no local. Ainda está muito recente essa experimentação, e temos muito o que melhorar”, conta Luiza.

Uma das premissas da Batuta é convidar realmente aqueles que estejam no inicinho de suas produções e que dificilmente participam de outras feiras maiores. Por ser estudante de artes na UFJF, ela está muito por dentro do que esses universitários estão fazendo, então muitas marcas são de estudantes. “Cansei de ser Hétero” e “Unicórnio Cintilante” são brechós novíssimos que estarão lá, além de zines e caderninhos artesanais confeccionados pelos alunos do IAD Lucas Borges e Carolina Lemonge.

A Batuta também tem a tatuagem como uma das atrações. Separam uma sala de estúdio de música, e, enquanto os tatuadores, que também estão começando, vão desenhando na pele das pessoas, uma câmera go-pro filma e joga a imagem ao vivo para o ambiente da feira.
A pegada da música é um dos critérios. Querem convidar músicos para tocar, além de lançarem a ideia de ter sempre uma banquinha de merch de bandas independentes que tocam por lá. Sempre convidam um fotógrafo para expor seu trabalho e deixam nas paredes do Maquinaria até a próxima edição da Batuta que deve acontecer uma vez ao mês.

Maquinaria
Rua São Mateus, 552 – São Mateus

 

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