Terceira idade: um novo nicho para o mercado imobiliário

Envelhecimento da população traz demandas específicas de moradia; potencial consumidor ainda é pouco explorado


Por Gracielle Nocelli

31/08/2017 às 06h00

 

O crescimento da população idosa no Brasil desperta a atenção do mercado imobiliário. A expectativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é que o número de pessoas com 60 anos ou mais triplique em 2050, chegando a 66,5 milhões. É assim que está prevista uma mudança no perfil da sociedade, que terá mais idosos do que crianças, entre 0 e 14 anos. O envelhecimento populacional traz uma série de demandas específicas para o setor imobiliário, que deve se organizar para atendê-las.

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Em São Paulo, construtoras já têm identificado o público da terceira idade como um nicho de mercado a ser explorado. A movimentação é recente, e a expectativa é que alcance outras cidades brasileiras, incluindo Juiz de Fora, que é a terceira entre os municípios com mais de 500 mil habitantes em concentração de idosos (13,6%), atrás apenas de Porto Alegre (15%) e Rio de Janeiro (14,9%). Os dados do Censo de 2010, o mais recente realizado pelo IBGE, mostram que havia 70.288 juiz-foranos nesta faixa etária naquele ano, número que já deve ter aumentado desde então.

Para atender este público consumidor, especialistas ressaltam que o mercado deve compreender que há várias formas de envelhecer. Se por um lado há necessidade de infraestrutura adequada e inclusiva – pensada, sobretudo, para os casos em que o idoso possui mobilidade reduzida -, por outro, também é preciso pensar em ambientes de integração e sociabilidade.

“Muitas vezes, envelhecer em nossa sociedade assume o significado de inatividade e passividade. Mas o que vemos na prática é uma terceira idade cada vez mais ativa e com mais vontade de viver. São homens e mulheres que se organizam em grupos, que programam viagens, que estão cheios de vida e disposição”, destaca o corretor de imóveis e coach de alta performance Guilherme Machado.

 

Juiz de Fora é a terceira cidade entre os municípios com mais de 500 mil habitantes em concentração de idosos (Foto: Leonardo Costa)

Banheiro é o cômodo mais perigoso

Reunindo demandas específicas surgiu o conceito de “consciência gerontológica”, apresentado pela primeira vez no país em um projeto da construtora paulista. De acordo com a empresa, o trabalho foi desenvolvido por uma equipe interdisciplinar, que inclui arquitetos, fisioterapeutas, psicólogos, geriatras, dentre outros profissionais.

A proposta é para que os lançamentos da empresa apresentem soluções direcionadas à terceira idade. Em um salão de jogos, por exemplo, são destacadas as necessidades de entradas mais amplas e ausência de degrau entre os ambientes, enquanto nas piscinas são priorizadas as bordas arredondadas e os pisos antiderrapantes.”

As áreas comuns, de convívio social, são importantes na integração, mantendo o corpo e a mente saudáveis. Por isso, é fundamental que esses ambientes proporcionem conforto e segurança, seja através da iluminação, indicação de obstáculos e disposição dos móveis”, afirma o estudo da construtora, salientando que no país 30% dos idosos caem uma vez ao ano, conforme estimativa da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia.
Já no ambiente interno, o estudo considera a necessidade de adaptações, principalmente, no banheiro, que é considerado o cômodo que oferece mais riscos aos moradores desta faixa etária. “Este ambiente exige uma atenção especial dentro do projeto, por ser um local de utilização frequente. Pode exigir apoios e pisos antiderrapantes.” Outras questões como altura do botão de descarga, uso de maçaneta de alavanca e tipos ideais de pia e sanitário também são consideradas.

Adaptação

Além do trabalho na criação de novos empreendimentos pensados para a terceira idade, São Paulo tem sido pioneira na adaptação de construções, de forma a garantir a acessibilidade e inclusão deste público. Condomínios paulistas têm sido exemplo para todo o país ao modificarem a estrutura física com a inserção de rampas, cadeiras de rodas, atendimento médico domiciliar e até playground da longevidade, um local próprio para que os idosos possam caminhar e fazer atividades físicas.

Mercado juiz-forano deve se preparar

As iniciativas na área de moradia e habitação para atender o público consumidor idoso são recentes e ainda bastante restritas no país. “É um nicho pouco explorado, não temos uma arquitetura inclusiva para a terceira idade. Observamos algumas mudanças que estão sendo incorporadas em projetos mais recentes, como efeito da norma de acessibilidade, que inclui pessoas com mobilidade reduzida. Como exemplos temos as larguras maiores das portas de acesso à casa e a diminuição dos corredores, que garante o acesso simples entre os cômodos e, também, facilita a locomoção”, diz a arquiteta e especialista em edificações sustentáveis Rafaela Felício.

A arquiteta alerta que, para atender bem os idosos, o ideal é que os imóveis tenham apenas um pavimento, revestimentos com propriedades antiderrapantes e banheiros com dimensões que facilitem a locomoção, sendo que, em alguns casos, podem ser necessárias peças adaptadas, como barras de auxílio.

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O assistente social e gerontólogo José Anísio Pitico da Silva concorda que o público idoso de Juiz de Fora ainda não possui as demandas atendidas pelo setor imobiliário. “A principal diferença do comportamento das pessoas idosas de hoje em comparação com às gerações passadas é que elas estão mais participativas, com maior acesso às informações e estimuladas a entrarem no mundo do consumo. Porém o mercado, de um modo geral, ainda não descobriu esse nicho.”

Segurança, infraestrutura e atendimento

O gerontólogo José Anísio Pitico da Silva avalia que os imóveis devem oferecer segurança e respostas imediatas às necessidades de saúde. “Na portaria, deve ter uma pequena farmácia, elevadores com acesso fácil para cadeira de rodas, além da presença de um porteiro habilitado e capacitado para a rotina com moradores idosos. Também é importante uma construção de prédio que reserve espaços para a convivência social.”

Segundo ele, o consumidor da terceira idade prioriza a localização e a infraestrutura na hora de escolher onde vai morar. “Eles valorizam o entorno do imóvel e o que oferece como padaria, farmácia, supermercado, área de lazer e outros recursos. A questão da segurança também é muito importante, por isso, a vizinhança também é considerada. A pessoa idosa deseja proteção para o seu cotidiano.”

Pitico ressalta, também, a importância do bom atendimento feito por profissionais do setor imobiliário. “Em geral, os prestadores de serviço não estão preparados para receberem o cliente da terceira idade. Carecem de treinamentos e capacitações profissionais no atendimento às necessidades e aos desejos de consumidor. É preciso desenvolver habilidades sociais como a assertividade, civilidade, empatia, comunicação e respeito nas relações de consumo com as pessoas idosas.”

O corretor de imóveis e coach de alta performance Guilherme Machado orienta que o setor valorize os idosos para além do potencial de consumo. “É necessário enxergar a pessoa idosa como ser humano, respeitando a riqueza da experiência acumulada. O corretor de imóveis que tiver a sensibilidade e a capacidade de identificar esses diferenciais neste público pode ter certeza de que será um profissional muito mais qualificado e apto a atender bem qualquer tipo de pessoa.”

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