O brechó parisiense de Fernanda Tabet
Artista plástica e eterna punk conta da vida nos últimos anos
“Olha, já vou logo te avisando: Ainda não fui a Disney! Mas conheci Espanha, Portugal, Irlanda, Holanda e França.” No segundo andar de um casarão antigo localizado na Avenida dos Andradas, próximo à esquina com a Benjamin Constant, a artista plástica e eterna punk Fernanda Tabet enumera as viagens que fez desde quando o gravador foi desligado na entrevista que resultou na estreia da seção “Outras ideias”, em 20 de julho de 2014. Com o gravador ligado novamente, três anos depois, ela vai das lágrimas às gargalhadas em fração de segundos.
“Acabei de fazer aquela entrevista, e minha mãe morreu, no dia 23 de julho. Passou um tempo, e uma vizinha me denunciou por não ter alvará para ter um brechó em casa. Então, minha prima começou a me colocar nos lugares para alugar para ela. Toquei, virou ouro. Tenho isso comigo. Fui para a loja dela na Independência (Avenida Itamar Franco), e em dois meses alugou. Aí ela me pediu para ocupar a escada da loja onde estou. Uma semana depois, aluguei para um garoto montar o Clube 43 (boate). Fui para a loja do lado e em cinco meses decidi, eu mesma, alugar o térreo da casa onde ficava a boate. Comecei com três araras, morrendo de medo de não conseguir pagar o aluguel. Agora já tem dois meses que aluguei a parte de cima. Só estou crescendo, crescendo. Estou doida para agradecer a essa vizinha pela denúncia que fez”, ri, mostrando os muitos espaços do casarão ocupados por roupas e mais roupas do brechó “Vem comigo que no caminho te explico”.
“O volume de vendas é grande. Tem meu filho Ramon, a Bárbara (namorada dele) e mais gente trabalhando para dar conta. Uma coisa absurda. Quando faço o ‘Só 5’, com tudo a R$ 5, o povo entra desesperado”, conta a hoje microempreendedora, cheia de projetos para expandir o brechó, voltando o segundo andar para peças vintages e feiras, como seu Garimpo das Artes, evento mensal que reúne artesãos e pequenos empreendedores. Onde fica a arte na sua vida? “A arte de sorrir cada vez que o mundo diz não”, gargalha. “Acho que na escolha das roupas de alto nível”, diz. E a punk? “Sempre que preciso. Às vezes, é preciso crescer com alguém que chega aqui, trabalho com todos os tipos de gente e tenho que ser águia, ter um poder para lidar com determinadas pessoas.”
“Você acredita em destino?”, ela questiona, sem dar tempo para resposta. “Eu acredito muito! Nasci para ser artista. Acredito que o universo conspira a seu favor quanto mais você agradece. Vejo isso todos os dias. Aqui a gente lida com um público pesado, aqui o clima é pesado, só tem gente doente, com problemas, muitos marginais, craqueiros, pedintes. É preciso ter uma energia extra para se firmar aqui”, comenta ela, aos 52 anos. “Sempre fui brechozeira. Sou a melhor vendedora do mundo. Era sacoleira, vendendo na casa de amigos ou vendendo o que eles não queriam mais. Não perco um cliente. Faço espelhamento, ancoragem, marketing. Eu estudo isso.”
Método Candy Crush de meditação
Fernanda não é mais a jovem noctívaga de bar em bar ou dona de bares. As roupas também ganharam outras cores, não apenas o preto. “Acordo 4h da manhã, e descemos as escadas eu e as duas gatas (Frida e One). Dou comidinha para elas e tomo uma garrafa de água e meu remédio de pressão, porque sou hipertensa (é diabética também). Espero 15 minutos e faço o café. Sento à mesa e faço minha meditação: minha meditação é Candy Crush (jogo do Facebook). Adoro jogar Candy Crush. Até perder. Depois ponho o (palestrante e professor de neurolinguística) Hélio Couto no YouTube e fico ouvindo e fazendo minhas coisas. Em 40 minutos, faço minhas contas do brechó, às vezes costuro, outras vezes lavo, limpo, costuro ou crio cartazes e banners do brechó”, fala, correndo para mostrar suas peças gráficas a demarcar a formação em artes e design.
Outra, Fernanda Tabet parece mais centrada. Há quase seis anos, é casada com o argelino Fahim Bouguermouh, que hoje se divide entre a Europa e o Brasil. Distantes os corpos, próximos os ouvidos, num telefone que toca ao menos três vezes ao dia. “É minha relação que durou mais. Me casei, sendo que não ia me casar nunca. Casei com uma pessoa que me deu a liberdade”, comenta a mulher que diz estar mais calma, serena e compreensiva. “Comecei a fazer programação neurolinguística pelo YouTube há um ano e meio, e é só prosperidade. Aprendi que não podemos ficar presos e precisamos agradecer. Aprendi a força do pensamento positivo. Isso ajudou muito na minha vidência e intuição.”
Garimpo da prosperidade
Para trás Fernanda deixou a atleta da natação, a empresária da noite, a restauradora, a pintora e outras das facetas hoje substituídas pela dona de brechó, que às quartas e sextas-feiras, das 8h às 10h, agenda até cinco pessoas para avaliar e comprar roupas. “Não compramos menos de dez peças, nem vestidos de festas, sapatos de salto alto, calças de tecidos Oxford, calças jeans de cintura baixa. Já sei o público que tenho”, diz a garimpeira que anda por diferentes lugares, como instituições beneficentes, abrigos, bazares e outros brechós que não deram certo.
“Minha proposta também é ajudar”, pontua ela, espanhola no Abbade que não carrega no sobrenome e libanesa no Tabet presente. Criada numa família que conheceu as tempestades e os períodos de bonança, a irmã de Mary, Jorge e Camil diz não querer só para si. “Outro dia um menininho chegou vestido num tênis maior, numa calça jeans menor, e estava fazendo muito frio. Ele perguntou quanto era, e eu falei: R$ 5! Ele, então, falou que voltava depois. Não deixei sair. Dei tênis, camisa, calça, casaco. Não tem dinheiro que pague isso. Me emociono, porque esse é meu objetivo na vida, poder ajudar”, conta, partindo das lágrimas para o riso ao contar das grã-finas que adentram a loja fingindo não se interessar pelas peças e dizendo que estão escolhendo para presentear.
“Você vai me perguntar: Meu objetivo não é ganhar dinheiro? Claro que é. Quem não gosta? Não é ganância, é ambição”, afirma. Pergunto, então: Mas e se ganhar muito dinheiro? “Minha proposta é abrir o brechó ‘Vem comigo que no caminho te explico’ ao lado da Louis Vuitton, em Paris”, responde Fernanda. E gargalha. Tira mais um cigarro dos dois que fumou em meia hora. Traga e diz, com o cigarro entre os dedos: “Minha meta é prosperar e agradecer. E sempre trabalhar.”