Quase 7 mil estão sem receber dinheiro do Poupança Jovem

Em Minas, são 24 mil estudantes à espera do benefício. Uma dívida que pode ultrapassar R$ 100 milhões este ano


Por Carime Elmor

14/07/2017 às 07h00

 

Debora de Paula Faria, Samuel Leandro Rodrigues dos Reis, Gabriela Batista e Larissa Martins (da esquerda para a direita) são alguns alunos de JF que não receberam o pagamento

Seis mil e 700 ex-alunos de ensino médio já formados pelas escolas estaduais de Juiz de Fora estão sem receber o pagamento do benefício Poupança Jovem, criado em 2007, pelo então governador e hoje senador Aécio Neves (PSDB). Esse número corresponde apenas a uma pequena parte do problema. Segundo a própria Secretaria Estadual de Educação (SEE), todos os estudantes de escolas estaduais das nove cidades integrantes do Poupança Jovem enfrentam o mesmo imbróglio.

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São jovens que se formaram em 2014, 2015 e 2016 e não receberam o que foi prometido, embora sejam considerados aptos e tenham cumprido todos os requisitos. A SEE reconhece que o pagamento encontra-se em atraso, em razão da situação de dificuldades orçamentárias enfrentadas pelo Estado, que decretou calamidade financeira no final do ano passado. A pasta informa ainda que o Governo de Minas está mobilizando todos os esforços para sanar as dificuldades financeiras enfrentadas, a fim de que o repasse do recurso possa ocorrer o mais breve possível.

Somente em Juiz de Fora, a dívida chega a mais de R$ 20 milhões, já que deverá ser pago R$ 3 mil a cada um dos 6.700 estudantes. Em todo o estado, o montante soma mais de R$ 72 milhões, considerando que o número total de alunos que ainda não receberam o benefício chega 24 mil jovens. Esses dados incluem apenas os anos de 2014 e 2015, já que ainda estão sendo apurados os resultados escolares de 2016. Mas a dívida pode passar dos R$ 100 milhões se considerarmos a média anual de 12 mil beneficiários que concluíram o ensino médio no estado.

A fim de buscar uma resposta para os atrasos que se arrastam há anos, o então deputado Wander Borges (PSB), atual prefeito do município de Sabará, requereu audiência pública na Assembleia Legislativa em outubro do ano passado. O encontro reuniu beneficiários, representantes das cidades participantes do programa, bem como deputados e responsáveis da SEE. Durante os debates, o Governo do estado reconheceu a dívida. Segundo consta no Portal da Transparência, R$ 34,85 milhões já foram empenhados e liquidados. No entanto, não há data ou prazo limite estabelecido para o pagamento.

As ações do Poupança Jovem encerram-se no final deste ano, e, desde 2015, o programa está fechado para novas adesões. Quando surgiu há 10 anos, o projeto abrangia apenas Ribeirão das Neves, e a principal ideia era a de que ele ia ser oferecido em cidades com mais vulnerabilidade social e educacional. No ano seguinte, Esmeraldas, Governador Valadares e Ibirité foram incluídas. Juiz de Fora, Montes Claros, Sabará e Teófilo Otoni foram contempladas em 2009, e Pouso Alegre, em 2011. Atualmente, 194 escolas estaduais são atingidas pelo programa.

Alunos não têm cartão para receber

Juiz de Fora foi a primeira cidade do estado em que o programa foi implementado de forma municipalizada, ou seja, os recursos vêm do Estado, mas a responsabilidade pela condução é da Prefeitura. Em outros municípios, algumas ONGs ou fundações estão à frente do convênio. Segundo o chefe do Departamento de Inclusão Sócio-produtivo em Juiz de Fora, José Francisco Oliveira Sobrinho, todas as 33 escolas estaduais da cidade são atendidas pelo programa. Leonardo Alves é o coordenador local do Poupança Jovem desde 2015, responsável por estar em contato com as escolas, os educadores e repassar as informações para Belo Horizonte.

De acordo com Leonardo, não há abertura de contas bancárias para recebimento do benefício desde a metade do ano de 2014. E isso é geral. “Me parece que está tendo uma licitação da folha de pagamento do Estado. Está em aberto, quando falarem em qual banco vão abrir essas contas, nós vamos repassar aos alunos. Quem já tem conta no Bradesco (que estava pagando o benefício) vai receber no Bradesco. E, mesmo que a pessoa não tenha o cartão, quando o dinheiro for liberado, poderá pegar na boca do caixa.” A Tribuna conversou com alguns alunos que estão com problemas com o cartão do benefício. Um deles informou que a validade de seu cartão só vai até 2018. Já outra estudante disse que não houve emissão de cartão para a turma na qual estudou.

Mas isso é o de menos para os estudantes. A liberação do dinheiro é a grande questão. Há uma expectativa de que o Governo divida os valores dos três últimos anos e pague aos poucos, a fim de não onerar demais o orçamento de uma só vez. No entanto, alguns jovens estão desacreditados que possam vir a receber um dia.

Estudantes cobram pagamento e informações

Pedro Henrique Bernardes de Resende tem 21 anos, formou-se em 2014 pela Escola Estadual Antônio Carlos, no Bairro Mariano Procópio. Ele está desacreditado e diz que, pelo tempo que passou e pela falta de clareza de informação, os estudantes nunca mais irão receber o que foi prometido. Logo que saiu do ensino médio, Pedro Henrique ingressou na UFJF e esperava ter os R$ 3 mil para ajudar na sua permanência na universidade. “Meu objetivo, na época, era guardar (o dinheiro), para poder me manter na faculdade por algum tempo.” Atualmente, ele está buscando por alguma bolsa que o auxilie, já que estuda em horário integral, impedindo que trabalhe.

Segundo o estudante, amigos que concluíram o ensino médio em 2013 tinham uma documentação mais completa. “Em 2014, não deram muita coisa, rolou um descaso, mas os nomes estão em uma lista no Bradesco. Algumas das pessoas que se formaram em 2013 receberam só em 2016, outras receberam no prazo de um ano após a formatura.” Nathalia Gerheim de Jesus, 20, formou-se em 2014 pela mesma escola do Pedro. Ela reclama que não há informações explícitas e organizadas: o que sabem vão repassando para os colegas que estão na mesma situação. Após o colégio, ela ingressou, através do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), numa faculdade particular, e espera que, até 2020, já tenha conseguido receber os R$ 3 mil, pois conta com esse dinheiro para pagar o fundo. Ela faz estágio e trabalha como manicure para ajudar nas suas despesas.

Débora de Paula Faria, 21, é outra estudante que concluiu o estudo em 2013 e até hoje não recebeu. Débora estudava na Escola Estadual Professor José Freire, no Bairro Industrial. O que consta no site da Assembleia Legislativa (almg.gov.br) é que, durante a audiência pública, Virgílio Garcia, supervisor-técnico do Processo Estratégico Poupança Jovem, afirmou que todos os alunos formados em 2013 e aptos pelo programa já receberam o benefício. Exceto um grupo pequeno que não cumpriu com os requisitos formais para tal efetivação.

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Segundo a estudante, seu documento de identidade não chegou a ser entregue ao Poupança Jovem, e, só após se formar, ela conseguiu regularizar a documentação. Com isso, ela não entrou no pagamento daquele ano, que foi o último devidamente creditado. Seu nome está na atual lista do Portal da Transparência, entre os 12.019 registros, com status do valor de R$ 3 mil liquidados, aguardando ser efetuado o pagamento. Débora planejava utilizar o dinheiro para começar um curso técnico de química no Colégio de Aplicação Pio XII e também tem o sonho de estudar direito. Atualmente está desempregada.

Proposta para reformulação do programa

O chefe do Departamento de Inclusão Sócio-produtiva da PJF, José Francisco Oliveira Sobrinho, diz que tem trabalhado na busca de solução. No entanto, afirma estar preocupado em não iludir os jovens. “Nós temos a esperança que (o dinheiro) sairá o mais breve possível. (O recurso) já está empenhado e liquidado, o que reforça o compromisso de o Estado honrar esses valores. Na verdade, isso são instrumentos do orçamento, que depende de o Estado ter o dinheiro. Eu sempre falo isso com os estudantes: o Estado reconhece essa dívida e vai ter que pagar.”

José Francisco defende uma reformulação do Poupança Jovem, propondo que sejam mantidas as ações junto aos jovens, mesmo sem as bolsas de benefício. “Hoje estamos vivendo situações de conflito envolvendo a juventude e não podemos recuar com as políticas públicas que já existem.” Em conjunto com o deputado Isauro Calais (PMDB), a proposta é criar um novo programa com apoio de recursos de emenda parlamentar. Segundo o deputado, a ideia proeminente é que sejam oferecidas capacitações para que o jovem saia um pouco mais preparado para o mercado do trabalho ou para realizar um curso pós-ensino médio, mas sem a oferta de bolsas.

Em agosto

“Estamos fazendo estudos sobre a viabilidade do projeto, mantendo eixos de ação envolvendo cidadania, noção de território, mercado de trabalho. Vamos ver o que há possibilidade de ser feito, porque algumas coisas geram gasto”, explica José Francisco, dizendo que, até a primeira quinzena de agosto, será encaminhada a proposta aos supervisores técnicos do Estado. O deputado disse ainda que irá encaminhar ao Governo de Minas pedido de informação sobre os pagamentos.

Promessa é DÍVIDA: Debora de Paula Faria, Samuel Leandro Rodrigues dos Reis, Gabriela Batista e Larissa Martins (da esquerda para a direita) são alguns alunos de JF que não receberam o pagamento
MARCELO RIBEIRO

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