Família de taxista com permissão suspensa ganha na Justiça direito de carro voltar às ruas

Liminar que determina renovação imediata de alvará reacende polêmica que envolve o setor desde 2014. PJF pode recorrer


Por Daniela Arbex

11/07/2017 às 07h00

Samuel, filho de Jurandir, se diz aliviado com a retomada da atividade que garantirá recurso para tratamento do pai (Foto: Fernando Priamo)

A família de Jurandir Oliveira – que teve revogada, no ano passado, a permissão para manter seu táxi nas ruas -, conseguiu na Justiça liminar que garante o retorno do veículo para a atividade fim. O restabelecimento da permissão de Jurandir para a exploração do serviço de táxi em Juiz de Fora foi concedido na última quinta-feira, em primeira instância, pelo juiz Ricardo Rodrigues de Lima, do juizado especial da Vara da Fazenda Pública Municipal. O magistrado determinou, ainda, prazo de cinco dias para que o Município renove o alvará relativo à concessão do serviço. A decisão judicial reacende a polêmica que envolve o setor desde 2014, quando foi anunciada a realização de licitação para a ampliação da frota municipal de táxi, ocorrida em 2015. Após o procedimento administrativo, mais de 200 permissionários que não participaram do processo licitatório tiveram o pedido de renovação da permissão indeferidos pelo Poder Público. O nome de Jurandir integrava a lista de permissionários com a licença extinta por decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), mas a esposa e os filhos do taxista, que está há quase cinco anos internado no Hospital Monte Sinai, entraram com pedido de antecipação de tutela.

Em 2012, o taxista sofreu um acidente vascular cerebral (AVC), vivendo em condição vegetativa desde então. Até setembro daquele ano, Jurandir exercia a profissão de taxista, somando mais de 30 anos na atividade. Quando começou a trabalhar no transporte individual de passageiros, em 1978, ele tinha ponto na Praça da Estação. No início dos anos de 1980, quando a Prefeitura realizou concurso público para a exploração do serviço, Jurandir conseguiu obter a permissão. De lá para cá, ele teve todas as renovações de alvarás chanceladas pela Prefeitura até o ano passado, quando o pedido de renovação da permissão de táxi foi indeferido, em função de decisão judicial que determinou a retirada de circulação dos táxis que não passaram pelo processo licitatório de 2015.

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A decisão de extinção da concessão de Jurandir foi publicada no Atos do Governo, em outubro do ano passado, mas Samuel Oliveira, 23 anos, filho mais novo de Jurandir, alegou não ter sido notificado, mantendo o táxi do pai nas ruas até maio deste ano, quando foi flagrado pela fiscalização dirigindo o táxi considerado irregular.

Sem o dinheiro das corridas, a família viu o tratamento do pai ser ameaçado pela falta de recursos para o pagamento do plano de saúde de Jurandir, cujo custo mensal gira em torno de R$ 1.600. “Depois que meu pai adoeceu, eu assumi o táxi. De lá para cá, nós conseguimos renovar o alvará com a apresentação dos atestados médicos. O que a Prefeitura fez com o meu pai foi uma covardia. Ele obteve sua permissão mediante licitação, à época, e a concessão dele nunca foi objeto de transferência. Ele sempre trabalhou como taxista, pois o táxi era a paixão da vida dele. Tudo que nós temos em casa, devemos a ele e ao táxi. Foi o táxi que pagou minha faculdade e hoje mantém meu pai recebendo assistência 24 horas no hospital. A notícia de que a liminar foi favorável, me deixa aliviado. Vamos poder pagar as contas agora”, afirmou Samuel ontem, minutos antes de o veículo voltar a circular.

Para o advogado da família de Jurandir, Flávio Tavares, a Prefeitura ignorou, ao longo desses meses, o argumento de defesa dos parentes dele, desrespeitando o contraditório. Em nota, a Prefeitura informou ter recebido o mandado na sexta-feira e ainda analisa as providências a serem tomadas. A Administração afirmou ainda que, até nova decisão, a ordem judicial será cumprida.

Juiz invoca direito ao contraditório e dignidade da pessoa humana

A decisão judicial que beneficia os familiares de Jurandir Oliveira foi tratada com reservas pelo presidente do Sindicato dos Auxiliares (Sinditáxi), Marcelo Mendes. Para ele, a liminar vai contra a regularização do serviço.”Jurandir não preenche mais os requisitos legais para a função de taxista. A licitação é uma prova de méritos, e ele não tem mais a carteira de motorista. Gostaríamos que ele estivesse trabalhando junto conosco, porque é um profissional que atuou por anos e anos. Na verdade, não queremos o mal de ninguém, apenas que o serviço de táxi seja regularizado. A Prefeitura deveria ter feito uma lei que abrangesse esse tipo de situação”, destaca.

Em 2014, a Associação dos Taxistas do Brasil (Abratáxi) impetrou ação civil pública pedindo a suspensão da renovação das então 433 placas de táxis adquiridas nas décadas de 1970 e 1980, com base no artigo 175 da Constituição, que condiciona a prestação de serviços públicos, sob regime de permissão, à licitação. O artigo 43 da Lei federal 8.987/95 corrobora a necessidade de concorrência, ao extinguir as concessões de serviços públicos outorgadas sem licitação na vigência da Constituição. Em setembro de 2015, a 2ª Vara da Fazenda Pública Municipal acatou o pedido da entidade em decisão assinada pelo juiz Rodrigo Mendes Pinto Ribeiro, impedindo o Município de proceder a renovação das permissões/concessões outorgadas sem prévio processo licitatório ou que tivessem sido objeto de transferência entre particulares, ainda que anteriormente outorgadas com licitação.

Desde então, cerca de 225 taxistas não conseguiram renovar o alvará de permissão, ficando impedidos de circular nas ruas. Na decisão que beneficia a família de Jurandir, o juiz Ricardo Rodrigues de Lima afirma que “a revogação da permissão se deu por ato que não foi precedido do contraditório, o que contraria o pensamento do STF que exige o devido processo legal quando a extinção, em qualquer de suas modalidades, gera prejuízos individuais. Tal fato já justificaria, por si só, o restabelecimento da permissão, ainda que em sede de tutela provisória, uma vez que no caso dos autos é inegável o prejuízo imposto ao autor e aos seus familiares que dependem do exercício daquela atividade para sobreviverem”, escreveu.

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“Medida justa e humana”
O magistrado citou, ainda, a Constituição que em seus fundamentos trata da dignidade da pessoa humana que, no caso de Jurandir, “se encontra em risco com a decisão que foi tomada pelo Município de Juiz de Fora”, considerou o juiz. Para o presidente do Sindicato dos Taxista, Aparecido Fagundes, a liminar foi uma medida justa e humana. “Foi uma medida justa, pois o táxi é a única forma de Jurandir continuar recebendo atendimento. Sem esse recurso, ele teria sua sobrevivência ameaçada. Além disso, estamos lutando há muito tempo para que os permissionários não percam sua permissão, pois ela foi adquirida dentro de um regulamento que permitia isso”, afirma. Luiz Gonzaga, presidente da Associação dos Taxistas, disse que a Prefeitura não ouviu a categoria. “Depois da licitação, a dela, a situação está uma bagunça. A Prefeitura não ouviu a gente, mas a Justiça ouviu.”

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