Música para mudar uma realidade


Por Bárbara Riolino

15/06/2017 às 07h00- Atualizada 11/12/2017 às 09h45

O Brasil Colônia registrou um dos momentos mais marcantes e vergonhosos da história de nosso país: a escravidão. A forma encontrada pelos negros de resistir a este regime controlador e repressivo era se exilar nos quilombos, locais que funcionavam como abrigo para escravos fugidos de seus proprietários. Entre tantos que apareceram nesta época, o mais importante foi o Quilombo dos Palmares, instalado na serra da Barriga, atual região de Alagoas, no Nordeste. Nesta comunidade, surgiu Zumbi, o líder do povo, que tornou-se símbolo da luta dos afro-brasileiros contra a opressão e a discriminação. Quatro séculos depois, em uma escola municipal que recebe o nome de Quilombo dos Palmares, no Bairro Sagrado Coração de Jesus, Zona Sul, surge uma espécie de Zumbi, na figura de um professor, que busca, por meio da música, transformar a realidade de crianças e adolescentes.

Responsável por ministrar a disciplina de geografia, Sérgio Pimentel gosta de se aventurar em outras atividades dentro da escola, sobretudo aquelas que desenvolvam outras habilidades dos alunos, como as artísticas. “Tudo começou quando percebi que eles gostavam de cantar, então, iniciei um coral. Logo em seguida, resolvi criar a nossa versão do ‘The Voice’. Quando começam as audições, a turma vem em peso. É uma etapa muito difícil, pois tem muita gente que canta bem e merece se apresentar”, conta. Outro ponto interessante, na visão do professor, é o envolvimento que os estudantes têm com o projeto. “Eles compreendem que não é apenas subir no palco e cantar. Tem quem filma, quem monta o cartaz, quem escolhe a música, quem produz. Enquanto educador, os ganhos são excelentes, pois a interação deles e com os demais professores em sala de aula muda completamente.”

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A dinâmica do “The Voice Quilombo” faz inúmeras referências à franquia “The Voice”, um talent show televisivo originado na Holanda, que teve seu formato exportado para os Estados Unidos em 2010. Dois anos depois, a versão brasileira estreou no país e já coleciona cinco temporadas e ainda uma versão infantil, “The Voice Kids”, exibida em duas temporadas na TV Globo. Pelo menos duas edições são realizadas na escola anualmente e acontecem sempre no turno da tarde, reunindo toda a escola. Contudo, o processo de produção é longo e requer empenho de todos os participantes. Os candidatos escolhem a música que vão cantar e gravam um vídeo, que é exibido ao público antes da apresentação no palco.

O responsável por registrar os depoimentos e todo o “programa” é o estudante Yan de Morais, 13 anos, o câmera boy do colégio. “É uma honra para mim poder ajudar a escola, ver como as pessoas se desempenham e têm coragem de cantar em público, o que faz muita gente se sentir envergonhada. A gente não tem que ter vergonha do que podemos ser, temos que mostrar quem somos. Aqui ninguém vai te julgar se você errar. O importante é levantar e continuar tentando”, destaca. As apresentadoras do The Voice Quilombo são as alunas Estefany Oliveira e Victória Fabiana, ambas com 14 anos. Para a dupla, é uma oportunidade para exercitarem a comunicação e perder a vergonha.

Os jurados, que também viram a cadeira e fazem sua avaliações depois da apresentação, são professores convidados por Sérgio. “É um projeto no qual os alunos se envolvem muito. Percebo que é uma forma de trabalhar a autoestima deles também”, destaca a professora de português, Gisele de Oliveira Bastos, uma das juradas da primeira edição deste ano. “Aqui no bairro é tudo muito difícil e, com o The Voice, há mudanças em todos os sentidos. Ao participarem, os alunos se sentem capazes de fazer algo, de serem protagonistas. Adoro vê-los cantando e a emoção de cada um. Eu também acabo ficando emocionado”, finaliza Sérgio.

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