Nada será como antes, de Mônica Calderano


Por Bárbara Riolino

11/06/2017 às 07h00

Mônica - Mercedes
Resgatando abertura retumbante da Mercedez na cidade, Mônica faz texto abordando expectativas sensíveis

Minha mãe disse que precisava guardar o jornal pra sempre, “não rasgue, não rabisque”, e eu nem cheguei perto. Acordei com a luz amarelada entrando na fresta da cortina, era cedo pra mim, tarde demais. “Cadê meu pai?” “Já saiu, já foi, é hoje!” “Ah é… Eu queria tomar café com ele…” “Minha filha, você já sabe… ele saiu cedo, foi pra inauguração…” “Sim, mãe… eu sei, foi fazer carro”, eu respondi com pouco entusiasmo, uma careta talvez. “É bem mais que isso, menina”, ela disse com a testa franzida, olhando mais uma vez pra página do jornal, repetindo que um dia eu vou entender, que eu tenho é sorte, que meu pai deu muita sorte. “Vai tirar o pijama, daqui a pouco o Davi vem brincar com você…”

A campainha tocou, e ela abriu a porta agitadíssima. Davi e a mãe dele entraram, elas se abraçaram rápida e entusiasmadamente, e minha mãe repetiu pra Carolina o que já tinha me dito. Carolina festejou como se fosse novidade, deu parabéns mais uma vez, “na cidade não se fala de outra coisa. Dona Lourdes também está feliz da vida, começou semana passada na casa de uns alemães, aqueles pra quem a Cris tá dando aula de português, sabe?” “Ah é? Que ótimo! Tá vendo? Só notícia boa!” “Mas ir pra fábrica é bom demais, tem pouca gente da cidade lá, o Edu deu muita sorte!” “É, nós sabemos!” Se abraçaram de novo, “eles brincam até as 11h, ainda tem escola”, e ela foi embora.

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Terminei meu lanche, minha mãe insistiu pra que meu amigo comesse também, mas ele não quis. Davi morava perto da gente, nossas famílias tinham se aproximado na catequese, minha mãe era a catequista dele, a tia dele era a minha. “Mas eles já foram gente importante”, mamãe fazia questão de destacar. Ela dizia que o avô dele era rico, que tinha tido uma fábrica de tecidos, “uma grande, lembra?, que ficava ali no Centro”, mas os meninos não souberam herdar. Agora trabalham no comércio, tem um que fez curso de informática e até tentou uma vaga na fábrica, mas ficou de fora. “Eu disse pra ele não desistir, imagina, nada será como antes”, ela insistia.

No meu quarto, Davi disse que queria ver como era a fábrica. “Você já foi com seu pai?” “Não, ainda não. Ele disse que é moderna, enorme e cheia de espaço vazio.” “Ele vai fazer carro de verdade?” “Sim, tipo esse”, eu disse, apontando pra miniatura que meu pai tinha deixado na minha estante.” “Igual a esse?” “Não é igual, mas tem essa estrela.” “Bonita.” “Minha mãe acha que essa estrela vai mudar o mundo…” “O mundo todo?”, ele perguntou sorrindo. “Não, o nosso mundo, mas isso pra ela é a mesma coisa…” Ele colocou o carrinho de volta na prateleira, e fomos brincar em cima da cama. Ele gostava de montar casas e prédios com meus blocos de plástico, mas eu achava meio chato. Folheei o livro da escola. Lá pelas tantas peguei os blocos e montamos a maior sequência de peças possível, todas em pé, iam da porta do quarto até a janela, isso duas vezes. Chamei minha mãe pra ver, mas não deu tempo. Encostei o pé, foi um acidente, derrubei tudo.

 

Mônica CalderanoMônica Calderano é jornalista e blogueira, autora da página “Equilibrosa” e do livro “A equilibrosa – histórias de uma mãe em construção” (Giostri, 2017). Nasceu, vive e trabalha em Juiz de Fora.

 

 

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