A cidade dos meus dias


Por Júlia Pessôa

04/06/2017 às 07h00

Talvez este tenha sido o primeiro ano em que o aniversário de Juiz de Fora passou um tanto batido para mim. Desde que me lembro – e de que me contam – , sou uma ensandecida por aniversários, os meus e os alheios. Nos meus, tenho meus pequenos rituais: tiro o dia de folga, evito ligar para as pessoas (é dia de elas me ligarem) e, invariavelmente, faço uma comemoração, que não precisa ser megaevento, mas precisa ter comida e gente amada, não importa onde eu esteja. Se o de alheios é de gente chegada, pode saber que vou fazer firula: textão de amizade, bolo, bola, chapeuzinho, o que vier e convier. Por isso, quando me dei conta de que já era 31 de maio, estranhei não ter me comovido com a data. Afinal, era aniversário de Juiz de Fora!

Minha Itabira drummondiana será sempre a Três Rios de berço. A fotografia na parede, que tanto me dói, que guarda minha família, amigos queridos e memórias de uma infância feliz e uma adolescência de muitas histórias. Mas Juiz de Fora foi a primeira e tão idealizada casa só minha, especificamente na Rua Padre Tiago, em cima do finado Fazendinha. Minha só não, minha e da Day. Era meu clichê de mundo cheio de possibilidades, onde eu poderia fazer o que quisesse, mas onde também eu seria a única responsável por isso. E fui, caxias que sou. E não fui, ansiosa pela liberdade que era. Foi a cidade onde me tornei adulta, com os sabores e dissabores inerentes.

PUBLICIDADE

Só a cidade dividiu comigo o choro escondido das tristezas reais e solitárias que virar gente grande traz. Também só ela me flagrou sorrindo feito idiota pela rua, recebendo uma notícia boa na tela fria do celular ou saindo de uma porta depois de alguma conquista que mudaria minha vida dali pra frente. Aqui fui aluna e professora. Solteira e casada. Afeto e desafeto. Egoísta e solidária. Correta e equivocada. Já saí de casa sem um real no bolso e já paguei a conta da mesa. Já reproduzi preconceitos e me expus contra eles. Já caí, literal e metaforicamente. Mas sempre me levantei, e agora, só por agora, estou de pé, ciente de que posso tropeçar em qualquer esquina.

Se no auge dos meus 18 aninhos encontrei em Juiz de Fora a cidade imaterial em que sonhava viver a liberdade, hoje o lugar onde moro nada tem de sonho. Ainda bem, porque cidades idílicas ficam na imaginação, no papel, no “pode ser”. Na cidade em que vivo, acordo às 6h, questiono minha vida, brigo com quem amo, tenho medos imbecis e avassaladores, e nunca tenho grana para as viagens que quero. Mas é nela que rio até doer o rosto, é nela em que está ou esteve, por algum tempo, a maior parte das pessoas que vou carregar até meus últimos dias, e é nela que vou me tornando uma pessoa melhor, ou, pelo menos, tentando fazê-lo com os muitos erros do caminho. Se muito já falei sobre meu amor à Princesa/Manchester e suas peculiaridades, num tom quase ufanista, hoje é como a letra da música: “Não vou divulgar/ Só do meu coração para o seu”. Não, Juiz de Fora não é a cidade dos meus sonhos. É a cidade dos meus dias. A cidade da minha vida. E que bela vida eu venho levando!

Os comentários nas postagens e os conteúdos dos colunistas não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é exclusiva dos autores das mensagens. A Tribuna reserva-se o direito de excluir comentários que contenham insultos e ameaças a seus jornalistas, bem como xingamentos, injúrias e agressões a terceiros. Mensagens de conteúdo homofóbico, racista, xenofóbico e que propaguem discursos de ódio e/ou informações falsas também não serão toleradas. A infração reiterada da política de comunicação da Tribuna levará à exclusão permanente do responsável pelos comentários.