‘OK Computer’, um clássico que completa 20 anos

Por JÚLIO BLACK

24/05/2017 às 07h03 - Atualizada 23/05/2017 às 16h17

Oi, gente.

Para quem trata música como parte importante de sua vida, ir a shows de rock pode ser questão de mudar sua visão a respeito do mundo, da vida, até mesmo sobre o que é arte e o quanto ela transcende o mero entretenimento. Por exemplo: o primeiro show a que assisti foi o da Legião Urbana, em 7 de julho de 1990, no mesmo dia em que Cazuza morreu. Ou o primeiro show do Morrissey, em 5 de abril de 2000. O Rock in Rio 3, de 13 de janeiro de 2001, com Beck, Foo Fighters e, principalmente, R.E.M. Um pouco mais à frente no tempo, novamente Morrissey, em 9 de março de 2012, na Fundição Progresso, e pela terceira vez em 25 de novembro de 2015, desta vez com a companhia da Leitora Mais Crítica da Coluna e – ainda que no conforto de um útero quentinho – de Antônio, O Primeiro de Seu Nome.

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Mas vamos dar um rewind nessa linha temporal. Foi no dia 20 de março de 2009, na Praça da Apoteose, que tive a oportunidade de acompanhar uma dobradinha que foi absurdamente apoteótica (tum-dum-tsss!), daquelas que morreremos lembrando de todos os detalhes: os shows dos alemães do Kraftwerk e dos ingleses do Radiohead. No caso destes últimos, foi o sonho realizado de assistir ao vivo à maior banda de rock do mundo, título que eles tomaram com toda a justiça ao lançarem, em 21 de maio de 1997 (inicialmente no Japão, o resto do mundo precisou esperar por quase um mês), o álbum definitivo da década de 1990: “OK Computer”. Pois é, o disco que criou uma legião de seguidores da Sacrossanta Palavra de Thom Yorke completou 20 anos no último domingo.

Até então, o Radiohead era “apenas” mais uma das excelentes bandas britânicas que agitavam as terras da rainha nos anos 90, com um lançamento promissor (“Pablo Honey”, de 1993) e um segundo álbum excepcional (“The Bends”, 1995). E aí eles resolveram que era hora de mudar, e a nova bússola musical do quinteto de Oxford foi produzida pela própria banda com o auxílio de Nigel Godrich, que trabalhou com o Radiohead em todos os discos lançados desde então. “OK Computer” pode ser considerado em “álbum sem guitarras” em que as guitarras – santa ironia, Batman! – parecem estar presentes em quase todos os 53 minutos do CD e que marca o início de processo de experimentações musicais da banda, com o uso de piano elétrico, glockenspiel, mellotron, efeitos eletrônicos, violoncelo e cordas em geral, além da voz sintetizada de um editor de texto dos computadores da Apple.

As letras, por sua vez, tomavam um caminho mais abstrato, falando de temas como consumismo, alienação social, guerra, política, globalização, acidentes automobilísticos, isolamento, morte, reencarnação, tecnologia, transporte e o estilo de vida britânico. Entre as inspirações e influências musicais, líricas e de produção, a lista é imensa. Miles Davis, Beatles, Noam Chomsky, Pixies, Bob Dylan, “O Livro Tibetano dos Mortos”, Can, Philip K. Dick, a Guerra da Bósnia, PJ Harvey, Elvis Costello, “Romeu e Julieta”, R.E.M., Ennio Morricone, Beach Boys, Eric Hobsbawm, “O Guia do Mochileiro das Galáxias”, Queen, Phil Spector, reportagens sobre airbags, Louis Armstrong, o compositor clássico polonês Krzysztof Penderecki, turistas americanos em Paris, Marvin Gaye.

Tanta pretensão e inspiração num mesmo pacote poderia resultar num Frankenstein musical de impossível digestão, mas o Radiohead é o Radiohead. O que se ouve em “OK Computer” é uma banda no auge de sua criatividade, reunindo canções ora atmosféricas, ora dramáticas, poderosas, emocionantes, melancólicas ou reflexivas. “Airbag”, “Paranoid Android”, “Subterranean Homesick Alein”, “Exit music (For a film)”, “Let down”, “Karma Police”, “Fitter happier”, “Electioneering”, “Climbing up the walls”, “No surprises”, “Lucky” e “The tourist” não chegam a ser a trilha sonora definitiva para o final do século XX, título que pertence ao próximo álbum da banda, o radicalmente experimental e estupendo “Kid A” (2000), mas definitivamente antecipam o que seria o nosso mundo neste início de terceiro milênio, em um álbum que permanece atual e essencial duas décadas após ser legado à humanidade. E que eu não canso de ouvir até hoje.

Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.

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Júlio Black

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