Somos Fabianos amarrados ao poste


Por Marcos Araújo, jornalista

07/05/2017 às 07h00- Atualizada 08/05/2017 às 21h39

Vivemos num país onde negros e brancos não são tratados da mesma forma pelas leis. Os primeiros estão, na sua maioria, nas cadeias, enquanto os outros, nos bancos das universidades, mesmo que ambos tenham praticado o mesmo tipo de delito. A lógica dos dois pesos e duas medidas vigora no Brasil, que assiste, passivamente, aos casos de autores de furtos e roubos serem amarrados ao poste e submetidos ao julgamento de uma sociedade que não sente vergonha de fazer justiça com as próprias mãos. É uma realidade que subverte as leis e nos coloca num retrocesso, à beira da barbárie. Em 12 de abril, Fabiano, de 26 anos, suspeito de roubar um celular, foi agredido e amarrado a um poste, no Rio. O mesmo tipo de episódio também ganhou destaque em fevereiro de 2014, quando um adolescente, 15, foi agredido e preso a um poste, também no Rio, após tentar assaltar turistas. Basta procurar no Google e é possível ver que ocorrências semelhantes aconteceram em diversas cidades brasileiras.

A condenação pública de Fabiano levou o jornal carioca “Extra” a lançar mão da questão: “Para uns, foro privilegiado; para Fabiano, a barbárie”. Ao levantar a polêmica, o jornal queria mostrar que os brasileiros estavam tomando conhecimento de uma lista de políticos que seriam investigados sob acusação de receberem propina de milhões de reais da Odebrecht. Entre eles, ministros, senadores, governadores e deputados federais. Todos teriam direito a julgamento especial num processo demorado. Porém Fabiano não teve sequer direito à defesa.

PUBLICIDADE

Muitos leitores não entenderam ou preferiram não entender a discussão proposta pelo “Extra”. Uma gama de comentários explodiu nas redes sociais, afirmando que o impresso estava tomando as dores de um ladrão. Em resumo, esses leitores queriam dizer: “Bandido bom é bandido morto”. Ignoraram que, na sua capa, o jornal queria mostrar uma crítica aos dois Brasis, nos quais a lei vale para um grupo, ao passo que o outro finge desconhecê-la.

Palavras de baixo calão foram direcionadas à edição. O internauta vociferou e engatou atrocidades atrás de atrocidades. A máxima era: “Está com pena? Leva para a casa”. Do conforto de seu smartphone e do alto de sua “sabedoria” de comentarista, eles passaram a opinar sobre leis, direitos humanos e segurança pública. Todavia sempre sob o foco do próprio umbigo. Incapazes de compreender a engrenagem social que leva Fabiano a roubar um celular e políticos a espoliarem o país.

Até quando será possível ver a sociedade aceitar de forma banal o que acontece com milhares de Fabianos negros, brancos, pardos, indígenas, mulatos, caboclos e cafuzos? Até quando continuaremos a fingir que isso não tem a ver a com a gente? Somos todos Fabianos e estamos sendo agredidos e amarrados ao poste toda vez que nossa dignidade humana é ultrajada, seja quando alguém não cede lugar a um idoso num banco de ônibus ou quando um figurão da política desvia milhões que seriam usados para criação de novos leitos de hospital.

Este espaço é livre para a circulação de ideias e a Tribuna respeita a pluralidade de opiniões. Os artigos para essa seção serão recebidos por e-mail (leitores@tribunademinas.com.br) e devem ter, no máximo, 35 linhas (de 70 caracteres) com identificação do autor e telefone de contato. O envio da foto é facultativo e pode ser feito pelo mesmo endereço de e-mail.

O conteúdo continua após o anúncio

Os comentários nas postagens e os conteúdos dos colunistas não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é exclusiva dos autores das mensagens. A Tribuna reserva-se o direito de excluir comentários que contenham insultos e ameaças a seus jornalistas, bem como xingamentos, injúrias e agressões a terceiros. Mensagens de conteúdo homofóbico, racista, xenofóbico e que propaguem discursos de ódio e/ou informações falsas também não serão toleradas. A infração reiterada da política de comunicação da Tribuna levará à exclusão permanente do responsável pelos comentários.