Conexão Mágica


Por Júlia Pessôa

09/04/2017 às 07h00

(Foto: Leonardo Costa)
(Foto: Leonardo Costa)

“Conta comigo: uma caixinha de som, um Sorine, um potinho de remédio e uma caneta. Quantos objetos têm aqui?” Quatro! “Conta comigo: um, dois, três, quatro. De novo: um, dois, três, quatro. Pode ficar tranquilo. Olha para mim. Quando eu estalar os dedos você vai olhar para esses objetos, e um deles vai te chamar mais atenção e, então, vai empurrar ele para frente. Simples assim. Um, dois, três, quatro. Agora.” Após a escolha ser feita, o frasco de comprimidos rosas, Marcio Valentim diz que foi ele quem induziu o movimento. Quem garante? Ele aponta para um papel, que já havia escrito antes da entrevista. “Hoje, dia 30/03/17, eu vou receber aqui em casa um jornalista do Tribuna de Minas e, depois de a gente conversar um pouco, eu vou colocar 4 objetos em cima da mesa e vou pedir para ele escolher um desses objetos. Ele não vai saber porquê, mas ele vai escolher o pote de remédios, Targifor”, escreveu o ilusionista, hipinólogo e mentalista, que reúne mais de meio milhão de inscritos e mais de 45 milhões de visualizações em seu canal no YouTube. “Incrível, não?!”

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Marcio Valentim não tira coelho de cartola, pelo contrário, o que diz manusear é a mente humana. “Já sou envolvido com o ilusionismo há muitos anos. Quando era moleque, fazia, por diversão, mágica com baralho. Adolescente, comecei a enveredar pelo mentalismo, que é uma ramificação da mágica que só trata de assuntos da mente humana”, conta o homem de 43 anos, recordando-se do dificultoso acesso aos estudos da área, já que a internet não foi uma realidade em sua adolescência. “Sempre fui antenado. Sempre corri atrás e fui muito interessado.” O momento que lhe deu um estalo, recorda, foi “há mais de dez anos, quando conheci um inglês, Derren Brown, e ele me impressionou muito”. Há quatro anos, um empresário lhe orientou que investisse no mentalismo, prática forte nos Estados Unidos e na Europa e pouco conhecida no Brasil. “Ele falou para eu colocar um vídeo no YouTube mostrando o que faço, para que as pessoas entendessem. Fui para a Avenida Paulista e gravei. Começou a ter visualizações, um blog famoso postou, e aí bombou. Não tinha câmera nem nada, mas comecei a gravar, muito tosco, com um celular. E foi acontecendo. Quando comecei a ganhar dinheiro, investi em equipamento”, rememora ele, que hoje faz shows, workshops, palestras e também lucra a cada acesso de seus vídeos. A receita? Nada mágica, conjuga dedicação e um tanto de carisma, ou, em suas palavras, “rapport”. “É um termo que vem da programação neurolinguística e significa a capacidade de você entrar no mundo da pessoa e fazer com que ela entre no teu mundo. Crio rapport muito bem com as pessoas. Se estou falando com um moleque de 15 anos, consigo deixá-lo hipnotizado. Se estou falando com uma pessoa de 50, ela fica hipnotizada. Tenho essa capacidade de envolver.”

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Com uma fala bastante clara, que permite a compreensão de cada sílaba dita, Valentim também é dono de uma didática surpreendente, ativada até mesmo numa conversa trivial. Não à toa tornou-se professor de inglês, língua que lhe ajudou a adentrar o complexo universo da internet. A retórica, garante, nasceu com ele. Filho de um médico militar e de uma dona de casa, irmão de duas, Valentim diz ser, naturalmente, desinibido. Ao contrário da filha Luana, de 14. “Ela poderia ser uma youtuber, tem a faca e o queijo na mão, tem a mim, o ‘know-how’ que tenho, os equipamentos que tenho, mas é tímida. Recebo um monte de gente pedindo ajuda, divulgação, e minha filha perde essa oportunidade”, ri, mostrando, em seguida, a caixa de e-mails com mais de 400 mil não lidos. O vídeo, despretensioso no início, deu lugar a uma empresa, em que Valentim, ajudado pela esposa Silvânia, trabalha para ser uma marca. “Quero vender o Valentim”, afirma ele, prestes a estrear uma página com seus próprios produtos, licenciados por uma marca de camisetas local que o youtuber veste em todos os seus vídeos. Quando ainda tinha menos de 100 mil inscritos em seu canal, o que lhe rendeu uma exclusiva placa de prata enviada pelo YouTube, o ilusionista marcou um encontro em São Paulo, numa famosa cafeteria, e os internautas surpreenderam-lhe, lotando o lugar. Na data, um garotinho de apenas 10 anos lhe disse querer pintar os cabelos como os seus, naturalmente grisalhos (mais brancos no topo e numa lateral, do que o total da cabeça). Perdeu o controle? Não. Um bom ilusionista não perde o controle. “Lido bem com a exposição e com o reconhecimento. Hoje o YouTube oferece o que a televisão dava há algumas décadas.”

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Dois anos, segundo Valentim, é o tempo médio para realmente estourar e começar a ganhar muito dinheiro. “Até você se firmar, leva um tempo. Por isso tenho um workshop tentando encurtar esse tempo para a galera”, diz ele, que, além de tratar da hipnose e do ilusionismo, também sabe falar sobre o tortuoso caminho da internet. “Adoro editar meus vídeos. Faço tudo. Me viro. Por saber muito bem inglês, o próprio YouTube me permite aprender muita coisa. Quando preciso saber alguma coisa, estudo assistindo a uma vídeo-aula e coloco em prática. O canal foi tomando forma assim. Há dois anos, o Google me convidou para fazer um workshop, e ali senti que meu negócio estava crescendo”, conta ele, cujo próximo passo é lançar uma série de vídeos mostrando a mudança em seu corpo, rumo a uma vida mais saudável, sem dores no pescoço. “Mente é fundamental, mas o corpo é importante também”, diz, recusando a ideia de superexposição. “O Valentim no teatro é um personagem, porque na rua não saio fazendo mágicas ou ilusionismos. No YouTube, porém, não sou exatamente como sou na vida real, mas não se trata de um personagem”, pontua. “Tenho uma responsabilidade, um cuidado. Sei que influencio, então, quando ligo a câmera me comporto como alguém que é visto por pessoas de todas as idades”, acrescenta o homem que não desliga. “Várias vezes acordo de madrugada com uma ideia. Todo vídeo é roteirizado, tem um processo complexo. Dar aulas me ajudou, por exemplo, a saber passar as informações. Tudo exige muito trabalho”, comenta o ilusionista, cujas mensagens estão impregnadas de motivação. A mente, afirma, tem poder. E para você, o que mentaliza? “Desenvolver sempre e, no futuro, deixar de dar aulas e trabalhar exclusivamente com os shows e com os vídeos. Levar uma mensagem positiva, tentando mudar um pouco a cabeça da galera, aproveitando meu papel de influenciador. Crescer como pessoa e ajudar quem puder ajudar.”

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