Entrevista / Mário Chagas, museólogo


Por MARISA LOURES

18/05/2013 às 07h00

Quando a Villa Ferreira Lage teve suas portas cerradas em março de 2008, o Museu Mariano Procópio vinha enfrentando, há alguns anos, diversos problemas de infraestrutura. O que não se esperava é que, cinco anos depois, o Dia Internacional dos Museus, comemorado hoje, seria celebrado sem qualquer garantia concreta, por parte do poder público, de reabertura do conjunto arquitetônico, apesar das inúmeras promessas firmadas. "O Museu Mariano Procópio tem uma dimensão nacional e deve merecer a atenção sistemática e cuidadosa do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) e do Ministério da Cultura. A reabertura dele deveria ser compreendida como de interesse nacional e de todos nós. Quem sabe a nova direção do Ibram não aplique esforços concretos nesse sentido?", indaga Mário Chagas, museólogo, poeta e ex-diretor do Departamento de Processos de Criação do Ibram, órgão fundado em 2009, durante o Governo Lula, com o objetivo de articular uma política de museus.

"Não deixei a instituição. Pedi para sair do cargo que ocupava, mas sou museólogo e técnico dos seus quadros profissionais e continuo trabalhando no Museu da República, no Rio. Optei pela mudança para manter a minha potência museal", confessa ele, que esteve em Juiz de Fora no último fim de semana para participar do seminário "União e Indústria: uma estrada para o futuro – Legado e possibilidades". Em entrevista à Tribuna, Chagas falou sobre a proposta de elaboração de um museu de percurso, o que beneficiaria a população das cidades cortadas pela via inaugurada no século XIX, e comentou a crise pela qual passam muitos dos museus nacionais.

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Tribuna – Muito foi noticiado sobre os atuais problemas enfrentados pelo Ibram: museus fechados e sem infraestrutura. Falta prestígio da instituição dentro do Governo federal?

Mário Chagas – A deficiência de pessoal do Ibram é crônica e não é nova. Um instituto como esse não se sustenta sem a contratação de novos profissionais, até mesmo porque muitos estão em situação de aposentadoria, sem ter para quem transmitir saberes complexos, acumulados durante anos de exercício profissional. O concurso público realizado permitiu a contratação de novos profissionais, mas ficou longe de atender as necessidades efetivas de pessoal. Acrescente-se a essa questão outro ponto: o altíssimo nível de evasão de profissionais recém-concursados. Essa evasão, segundo os dados disponíveis, é superior a 70%. Isso é grave. Os motivos passam pelos baixos salários e pela falta de um plano de carreira que valorize o profissional, mas também pelo rompimento com a cultura participativa e democrática que foi fundamental para a criação do Ibram. De algum modo, o Ibram afastou-se, por motivos variados, da própria Política Nacional de Museus (PNM) que estava na sua origem. Não acredito que falte prestígio, ainda que reconheça que falta vontade política para que os trabalhadores públicos do Ibram tenham, por exemplo, isonomia com os seus colegas da Fundação Casa de Rui Barbosa.

 

– Aguarda-se a tomada de posse do mineiro Ângelo Oswaldo. Qual sua expectativa para esta nova gestão?

– Aprendi a não alimentar expectativas e a manter um espírito cooperativo. De qualquer modo, posso dizer que seria muito bom que a nova gestão retomasse os princípios da Política Nacional de Museus e investisse na recuperação dos museus do Ibram, tantos dos grandes, quanto dos pequenos que, a rigor, são os que mais sofrem. Também seria muito bom que reativassem o caráter participativo da PNM, fazendo do Ibram uma instituição com uma cultura acolhedora e menos personalística.

 

– O Museu Mariano Procópio tem promovido eventos no parque com o objetivo de fomentar a formação de público. Essas iniciativas agregam valor ao espaço histórico?

– Se um museu fica fechado por muito tempo, pode perder a solidariedade e parceria do público, que, afinal, constitui o seu verdadeiro patrimônio. Nesse sentido, compreendo que é uma boa estratégia a realização de eventos destinados ao público de diferentes faixas etárias. Mas penso também que o fechamento poderia estimular uma boa pesquisa de público com o objetivo de perceber o que ele (o público que visita e também o que não visita) espera do espaço.

 

– Você veio a Juiz de Fora falar sobre a criação de um museu de percurso para a Estrada União e Indústria. Como ele funcionaria?

– Trata-se de uma proposta em construção, de uma proposta em busca de parceiros para o desenvolvimento do projeto. A intenção é compreender a Estrada União e Indústria como um museu de percurso, que seria capaz de valorizar a estrada, reconhecer o seu valor histórico, a sua potência de memória, a sua modernidade e também de valorizar e potencializar as ações dos municípios por onde ela passa. Ao todo, são sete municípios. O Museu Mariano Procópio teria dentro desse quadro um destaque especial, sendo o principal ponto articulador do projeto, que envolveria também o Museu Imperial e o Museu Rodoviário, onde se encontra a Mazeppa, a diligência que fazia o percurso entre Petrópolis e Juiz de Fora em 12 horas e 20km.

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– E quais seriam os benefícios reais para as comunidades do entorno?

– A idéia é produzir uma grande articulação entre as áreas da cultura, da educação, do turismo, de estradas e rodagens, do transporte e ainda mais. A UFJF poderia entrar no projeto, que poderá também produzir grandes e pequenos percursos de interesse turístico e favorecer a criação de uma rede de gastronomia, de arte e de artesanato nas comunidades do entorno da estrada.

 

– No Dia Internacional dos Museus, há o que comemorar?

– Temos problemas nos museus brasileiros, mas temos o que comemorar. O campo museal está mais articulado hoje que há dez anos, há muitos jovens interessados, buscando formações especializadas nos cursos de museologia. Minas Gerais é um exemplo: temos dois cursos de museologia em Minas, um em Ouro Preto e outro em Belo Horizonte, o que é novidade. Estamos renovando a nossa imaginação museal, desenvolvendo experiências inovadoras, publicando mais e pesquisando mais. Os museus sociais, os de comunidades populares, os de favela, os indígenas, os quilombolas e os pontos de memória nos dão inúmeros motivos para festejar. Já agora faço votos para que, na próxima Semana Nacional de Museus, o Museu Mariano Procópio esteja inteiramente aberto ao público, renovado, em pleno funcionamento. E aí teremos mais motivos ainda para comemorar.

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