Entrevista / Juliana Moura Bueno


Por Renato Salles

11/03/2017 às 07h00

Foto: Divulgação
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Tribuna – Uma vez mais, no processo eleitoral do ano passado, o que se viu foi, uma vez mais, uma ampla maioria de homens sendo eleitos para ocupar os cargos eletivos em disputa. Do seu ponto de vista, quais são os principais fatores que ainda mantêm as mulheres, de certa forma, alijadas – ao menos em números substanciais – das disputas eleitorais e da discussão política mais institucionalizada?

Juliana Moura Bueno – São inegáveis os avanços que a condição de vida das mulheres no Brasil nas últimas duas décadas. Mas nós avançamos pouquíssimo no tema da participação política das mulheres. Talvez esse seja o fato mais curioso da relação entre a sociedade a política institucional no caso da representação das mulheres. Enquanto a sociedade avança como um todo em valores e as mulheres vão conquistando, por seus esforços, cada vez mais espaço e estão cada vez mais empoderadas, não há reflexo disso na política institucional. Isso é sinal de que o sistema político brasileiro é hermético e está desconectado da sociedade. Não por acaso se fala de uma crise de representatividade.

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Em uma democracia saudável, mesmo os grupos minoritários são respeitados e participam da vida política do país. A lógica que impera hoje no país é outra: há cada vez mais concentração de poder nas mãos dos mesmos, e eles são homens brancos. A ausência de mulheres – e também de negros e negras, de indígenas, de representantes de religiões afrodescendentes, entre tantos outros grupos vulneráveis – nos parlamentos e nos cargos executivos não ocorre porque as mulheres são menos capacitadas, porque são menos estudadas, porque gostam menos da política ou porque tem menos vocação para ela. E também não podemos achar que o povo brasileiro deliberadamente decide não eleger mulheres, inclusive, porque as mulheres são mais da metade da população e 52% do eleitorado. Não é isso. Mas os dirigentes partidários são homens, os financiadores das campanhas são homens, os homens foram as únicas lideranças políticas do país durante muito tempo. Fica na cabeça das pessoas que os homens são melhores que as mulheres na política, que estão mais aptos a serem líderes, que fazem isso melhor. E isso não é verdade.

Mas essa percepção que faz parte do subjetivo das pessoas isso impacta na vida real. Exemplos não nos faltam. Hoje em dia, por exemplo, temos apenas uma única mulher prefeita de capital brasileira, uma única mulher governadora de estado, as mulheres são 45 (9,8%) dos 513 Deputados, e 13 do total de 81 vagas no Senado. A única mulher eleita presidenta da república na história do Brasil sofreu um violento processo de impeachment. Em um momento no qual se votará uma reforma da previdência que claramente impactará mais mulheres do que os homens, vê-se que quem dirige essas reformas e mudanças que podem ser consideradas desumanas são homens brancos de meia-idade. Será que se a composição do Congresso fosse diferente, esse mesmo tipo de reforma seria tão bem aceito entre parlamentares?

 

– Qual o melhor caminho para tentar reverter este quadro? Leis que forjem uma amarração que garanta maior participação e até mesmo reserva de cadeiras para mulheres ou a conscientização de mulheres e eleitorado? Pergunto isso porque temos as cotas partidárias que obrigam que as coligações indiquem pelo menos 30% de candidatas em cada chapa. Contudo, na maioria das vezes, podemos perceber que muitas mulheres são utilizadas apenas para a composição legal, ficando à margem das campanhas e dos recursos necessário às empreitadas eleitorais.

– No Brasil, uma alteração na lei eleitoral inseriu a obrigatoriedade de cotas de mulheres nas candidaturas proporcionais, ou seja, às Câmaras de Vereadores, Assembléias Legislativas e Distrital e Câmara dos Deputados. A primeira eleição que os partidos conseguiram cumprir essas cotas de 30% de vagas foi em 2012, só 15 anos depois da instituição dessa regra. Em 2016, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) descobriu que mais de 14 mil entre as 80 mil mulheres candidatas às prefeituras e câmaras de vereadores eram candidatas laranjas – foram registradas apenas para cumprir a cota eleitoral. Para além disso, a lei só obriga que 5% do fundo partidário seja destinado às candidaturas de mulheres. Inclusive, o procurador geral da república, Rodrigo Janot, foi ao STF em outubro do ano passado questionar a desproporcionalidade entre reserva de vagas e destinação do Fundo Partidário a mulheres. A interpretação de Janot é de que deve haver a equiparação entre percentual de reserva de vagas e percentual de fundo partidário destinado às mulheres, que sirva a candidaturas majoritárias e proporcionais.

Acho que esse pode ser um caminho. A experiência internacional, de países próximos a nós como Argentina, Chile, Bolívia e México, nos mostra que as mulheres só passaram a estar mais representadas quando se atuou em duas frentes. A primeira delas, foi a delimitação das cotas para mulheres dirigentes nos partidos e uma fiscalização exímia das finanças dos partidos no que se referia à destinação de recursos para as mulheres. A segunda, foi mexer na organização do sistema partidário, ou por meio da introdução de cotas nas vagas nos parlamentos – há casos de 30% e de 50% de vagas _ e também na introdução de listas partidárias fechadas com alternância de gênero para os parlamentos. Há diversos projetos de lei tramitando no Congresso que visam estabelecer cotas nos parlamentos para mulheres. O assunto está simplesmente bloqueado. Não se consegue discutir nesse parlamento hoje essa questão. Sobre a alteração nos regimentos e práticas internas de partidos, da esquerda à direita, o barulho para que não se faça isso de forma mais incisiva, por meio de leis, por exemplo, é muito grande. É um assunto delicado porque ele mexe diretamente com privilégios.

 

– Para fomentar a discussão proposta, fiz um levantamento com a representatividade das mulheres nas câmaras municipais das cidades com os dez maiores eleitorados de Minas Gerais. O percentual de mulheres nas legislaturas varia entre 7% e 14%, mesmo que em todas as cidades as mulheres respondam por mais de 50% do eleitorado. O baixo percentual chama atenção, sendo mais baixa até que os índices observados em países do Oriente Médio, conforme dados divulgados pela União Parlamentar em 2015. Que análise é possível fazer destes números? Esta é uma característica do Brasil? Há algum país que possa servir como exemplo para o fomento ao incremento das mulheres na política e à conscientização do eleitorado como um todo?

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– Sobre esses dados que você acaba de citar, Minas Gerais, eles são espelho e imagem do que é o Brasil hoje. Entre os 27 estados da federação, contando com o distrito federal, Minas está na 22ª posição no que se refere à ocupação de mulheres dos cargos eletivos disponíveis no estado. Segundo dados do TSE, Minas Gerais tem, entre cargos disponíveis nas câmaras de vereadores, prefeituras, assembleia legislativa e governador, pouco mais de 87 mil cargos eletivos e as mulheres só foram eleitas para 10.8%. A média do país é de 14%. É muito preocupante. Como falei anteriormente, o que a experiência de outros países nos aponta é que se quisermos inserir as mulheres na política vamos ter que atuar ativamente. Partir de um diagnóstico real, e que precisa estar pacificado porque é o que toda e qualquer evidência empírica nos mostra: a sub-representação de gênero e de raça é a nossa realidade. E a minha impressão é de que a nossa desigualdade é tão profunda e estrutural, que uma ou outra medida isolada não funciona, que é o que a experiência das cotas de mulheres para as candidaturas nos mostrou. E o Congresso de hoje não quer debater esse tema.

O caminho que nos resta, portanto, é uma reforma política que tenha como um de seus fundamentos que o diagnóstico de que o Brasil ainda é um país de extrema desigualdade e que isso impacta diretamente nosso sistema partidário-eleitoral. E que, a partir daí, poderemos agir para criar mecanismos de alteração desse quadro lamentável de forma real e estrutural, sejam as cotas nas vagas ou mesmo a lista fechada com alternância de gênero nas candidaturas proporcionais e, para o Senado Federal, onde as candidaturas são consideradas majoritárias, que nos resta é uma reserva de vagas.

 

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