Bem na fita


Por Wendell Guiducci

24/01/2017 às 07h00

Havia aqui no bairro uma locadora de fitas de videocassete que pertencia a um simpático senhor. No correr do tempo, os videotapes foram aposentados, e o lugar se tornou uma locadora de DVDs e, posteriormente, de DVDs e blu-rays. Mas, como acontecerá fatalmente com todas as locadoras de filmes, aquela aqui do bairro fechou.

O simpático senhor supracitado, então, a exemplo do VHS, foi compulsoriamente aposentado de seu trabalho e do que mais gostava de fazer: assistir, indicar e comentar filmes. Agora ele anda pelas ruas da vizinhança um pouco maluco, falando sozinho.

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– Forget it, Jake. It’s Chinatown – ouviram-no dizendo outro dia, arremedando com perfeição o interlocutor de Jack Nicholson na cena final do clássico de Roman Polanski.

E tantas outras frases célebres transportadas para o ar imóvel do verão, enquanto o senhor caminha com as mãos no bolso e o indefectível chapéu de panamá na cabeça, murmurando
“Go ahead, make my day”, como Clint Eastwood em “Impacto fulminante”.
“We’ll always have Paris”, Humphrey Bogart em “Casablanca”.
“You talkin’ to me?”, Robert de Niro em “Taxi Driver”.

Reza a lenda que o homem é capaz de reproduzir na íntegra o diálogo entre John Travolta e Samuel L. Jackson acerca do quarteirão com queijo em “Pulp fiction”, com todos os trejeitos vocais de Vincent Vega e Jules.

E dizem que se despede das pessoas falando “Que a força esteja com você”.

Enfim.

É meio triste, mas também é bonito, porque de alguma forma ele se mantém conectado a todas aquelas histórias e personagens que foram a razão de boa parte da sua vida e nele ainda vivem.

Agora parece que uns estudantes de jornalismo vão fazer um curta-metragem contando a sua história para lançar em VHS. O que será um tipo meio doido de absorção simultânea da arte pela vida e da vida pela arte, mas certamente uma bela homenagem.

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O velhinho e seu chapéu podem parecer estranhos perambulando aí pelo bairro.

Mas ficarão bem na fita.

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