Arte e liberdade, ainda que tardia
O ano era 1985. O Brasil encerrava uma das fases mais vergonhosas de sua história, a ditadura militar instaurada com o golpe de 31 de março de 1964 (ou seria 1º de abril, o Dia da Mentira?). Nem tudo era festa, porém, com a morte do presidente eleito, o mineiro Tancredo Neves, que sequer tomou posse. No seu lugar, o vice José Sarney, que apoiou o regime ditatorial mas, naquele momento, era a única opção minimamente viável. Mas era preciso marcar a passagem do tempo das trevas para uma nova era de esperança. É neste mesmo ano que o pernambucano João Câmara toma como inspiração um grupo de mineiros que já sonhava com um Brasil livre em pleno século XVIII para criar o painel “Conjuração Mineira”, em óleo sobre tela, que seria exposto no Panteão da Pátria, em Brasília. E são as litografias que serviram de base para a obra que podem ser novamente conferidas (até o final de janeiro de 2017) na exposição de mesmo nome, no Memorial da República Presidente Itamar Franco, após o final da greve da UFJF.
País jovem em sua independência e ainda mais na condição de república, o Brasil já sonhava com a separação de Portugal quando um grupo de mineiros tentou seguir o exemplo dos Estados Unidos e estabelecer em nossa terras uma nação livre. Era o final do século XIX, e Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, e Tomás Antônio Gonzaga, entre outros, participaram do movimento conhecido como Inconfidência Mineira. O resultado é conhecido: os “traidores” foram descobertos, Tiradentes, enforcado, outros desterrados para a África. O exemplo deles, porém, continuou vivo com o passar dos séculos – servindo de inspiração, inclusive, para a mobilização política e popular nos anos 80 para o fim da ditadura. E não havia melhor exemplo que Tancredo, mineiro como os “conspiradores” e nome ideal para a união política. Foi nesse contexto, da liberdade tardia após a repressão, e com um mineiro como símbolo da volta da democracia, que João Câmara criou o painel.
Diretor do Mamm e responsável pelo Memorial da República Presidente Itamar Franco, o professor José Alberto Pinho Neves se mobilizou para trazer a exposição até Juiz de Fora. “Eu havia trabalhado com esse material em uma exposição no Palácio das Artes, em Belo Horizonte, e na impossibilidade de trazer o painel que está em Brasília, negociamos para expormos as litografias. Como o Memorial possui esse espírito republicano, indo além da figura do ex-presidente Itamar Franco, consideramos a obra de João Câmara pertinente para refletirmos sobre as questões históricas, sociais e políticas da república”, explica José Alberto.
História em capítulos
As sete litografias seguem uma estrutura narrativa, com temas como “Sacrifício da indústria nacional”, “Conjura”, “Pregação de Tiradentes”, “Morte de Cláudio Manoel da Costa”, “Farsa”, “Forca” e “O corpo”, em que elementos como o serrote e machado servem de metáforas para o esquartejamento de Tiradentes, a cobra, como símbolo da traição, e a chama da lamparina representa momentos ora de tensão, ora de euforia ou melancolia. “Ele concebeu os quadros e as gravuras como uma história em quadrinhos, com cenas repletas de iconografias, simbologias, como a lamparina significando a liberdade e se apagando na morte do herói. É possível perceber uma simultaneidade de eventos nas litografias.”
Ainda de acordo com José Alberto, “Conjuração Mineira” foi criada num contexto em que o artista pernambucano trabalhava – e ainda trabalha – a questão de denúncias sociais. “Ele é um pintor com uma trajetória política, sempre presente em questões históricas, sociais e políticas. Essa mistura de tempos passados e presentes demonstra essa crítica, você pode aprender muito sobre a Inconfidência Mineira por meio das imagens criadas por ele.”
“Conjuração mineira”
Exposição com litografias de João Câmara podem ser vistas segunda-feira, do meio-dia às 18h, e de terça a sexta, das 9h às 18h, no Memorial da República Presidente Itamar Franco (Rua Benjamin Constant 790 – Centro)