Uma rua chamada silêncio


Por Wendell Guiducci

08/11/2016 às 12h18- Atualizada 09/11/2016 às 08h04

Eu caminhava vagabundamente pelas ruas de pedra, sob um sol de rachar moleira, quando trombei a plaquinha: “Silêncio”. Não como aquelas de advertência nos hospitais, mas adornando a fachada de um sobrado contra o céu aberto e calcinante do meio-dia. Essa rua em que eu me metera era um pouco empenada, descia à esquerda e logo dava em outra travessa, igualmente empenada e que desaguava em mais vielas. Atrás de mim, a rua subia até uma praça e descia em curva para outras bandas.

Essa rua em que me precipitara zanzando sozinho era pequena, mera passagem para outras ruas e parques e avenidas e estradas e fronteiras. Por sorte era o início da tarde e era o interior da Espanha, e no interior da Espanha as pessoas ainda têm essa sabedoria de recolherem-se a suas casas e estirarem-se em suas praças para fazer a siesta, aquele momento de descanso pós-almoço que só os pedreiros, aqueles que dão uma pestanejada depois de bater um PFão, sabem compreender em sua magnitude e potência. O silêncio era absoluto. E permitia ecoar coisas que não estavam ali.

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Nessa rua chamada Silêncio, o tempo parecia suspenso. O espaço se alargava e fazia sala à contemplação. Que experiência! Como não morar no Silêncio agora? Se é preciso silêncio para compor uma música para ser tocada acintosamente alta; se é preciso silêncio para investigar minhas cicatrizes e também aquelas que inflijo a outros; silêncio para mudar de direção, para manter o rumo, para desacelerar o mundo, acelerar os sonhos, medir as palavras, pesar o pensamento, dar valor ao que sai da boca e dos dedos e dos músculos – o coração, músculo vital! -, extrair, enfim, realização do vazio.

Como aquela rua pequenininha, impávida sob o sol fustigante, o silêncio deságua em outras praças e avenidas, fronteiras e planos, atos e afetos. É ponto de partida. Não o silêncio da banal ausência de sons, mas o do esvaziamento das necessidades, da gana de produzir e produzir e produzir, produzir o que quer que seja, de ganhar mais dinheiro, mais likes e compartilhamentos, da correria desenfreada que não leva a lugar algum. Um silêncio que floresce num domingo perfeito, numa nova canção, no tempo precioso com aqueles que amamos.

Talvez estejamos todos correndo atrás disso, quando talvez não devêssemos correr, mas apenas caminhar. E sentar-nos à sombra de uma mangueira. Fazer a siesta e ouvir o vento. Olhar pra dentro. No fim das contas, talvez todos nós estejamos por aí nessa desabalada carreira, entrando e saindo de vielas, procurando aquela rua chamada silêncio.

 

Wendell Guiducci

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