Entrevista com Marco Lucchesi
Nas estantes de um sebo na Itália, Marco Lucchesi encontrou a poesia de Rûmî. A força e beleza daquele mestre espiritual muçulmano, nascido no século XIII, na província persa, hoje no Afeganistão, encantou o escritor. “Fiquei tomado pela sua alta poesia”, conta o romancista, editor e também membro da Academia Brasileira de Letras, que passa por Juiz de Fora nesta quarta-feira, para lançamento do livro “A flauta e a Lua” – Poemas de Rûmî” (Editora Bazar do Tempo). Além de traduções publicadas em pequenas edições anteriores, todas já esgotadas, a obra reúne ensaios dos teólogos Leonardo Boff e Faustino Teixeira, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora. Suas páginas também trazem um diário de tradutor de Lucchesi, notas de análise sobre os poemas, além de imagens das paisagens do Irã, Paquistão e Nepal, que formam parte do antigo território persa, assinadas pelo fotógrafo italiano Riccardo Zipoli.
A programação do tradutor aqui na cidade começa em um debate com Faustino sobre “A mística e a literatura na obra de Rûmî”. Com mediação do professor Edmilson de Almeida Pereira, o encontro está marcado para as 15h, no Instituto de Ciências Humanas e Letras, da UFJF. A partir das 20h, com participação de Estêvão Teixeira, Paulo Couto Teixeira, Carolina Duarte e Mônica Hortegas, o autor participa de uma noite de autógrafos, no Espaço Manufato, regada à leitura de poesia, música e pintura em torno da publicação.
Tribuna – Rûmî é considerado um dos maiores poetas da história, e sua obra é cada vez mais lida no mundo hoje. O que essa obra representa para a atualidade?
Marco Lucchesi – Em tempos de intolerância, dentro e fora do Brasil, sua poesia guarda um precioso acervo de diálogo, matéria necessária, ponto de partida de uma civilização. E sobretudo uma postura ecumênica, um apelo aos homens, um apelo aos vivos e ao futuro. Ou desenhamos a cultura da paz ou desapareceremos. Essa é a atualidade de Rûmî.
– Rûmî é um dos que melhor falaram sobre o amor. Como o amor se faz presente nas obras desse poeta?
– Algo parecido com o cântico dos cânticos, da Bíblia, algo mais sutil. Um erotismo simbólico, do amor que se confunde com Deus e com o amado. Assim como no cântico dos cânticos, a alma e o amado representam, de certo modo, a relação da alma com Deus, como a viu também o grande poeta espanhol San Juan de la Cruz.
– Qual a maior dificuldade em se traduzi-lo?
– A transposição do persa ao português. Encontro de duas belas línguas, de origem indo-europeia. A dificuldade está no sistema literário das duas línguas, do desenho dos poemas, é mais uma questão de ordem técnica. Entre mortos e feridos, alguma coisa se obteve como resultado.
– Você sempre diz que traduzir te deixa extenuado, que você não faz mais tantas traduções. Por que, mesmo sendo extenuante, você não consegue “se libertar” dessa prática?
– É uma espécie de demônio de Laplace. Hoje, faço apenas um tipo de tradução de que gosto mais, a tradução de poesia, ultimamente, na aproximação da poesia com a matemática, digamos, como fiz traduzindo Guillevic, no livro “Euclidianas”. Terei, em breve, uma tradução antiga que fiz de Silesius e prefaciada pelo amigo Faustino Teixeira. Continuo traduzindo, mas para aprofundar a minha poesia. O Brasil precisa de tradutores.
– A internet afetou sua maneira de traduzir?
– Sim e não. Na minha tradução do romance de Umberto Eco, ainda nos anos 90, a internet aparecia tímida, restrita, mas foi importante quando traduzi “A ilha do dia anterior”. Mas, é claro, a rede abriu contatos, grupos de discussões importantes, dicionários on-line, mas a decisão final é sempre solitária, indivisível, incontornável.
– Em uma entrevista de abril de 2015, você disse que, naquele momento difícil, de discursos oportunistas, o que te interessava é a paz. Os discursos foram ficando cada vez mais acirrados, o Brasil se dividiu. Continua preocupado? Vê uma luz nesse fim do túnel?
– Sempre me posicionei contra o impeachment, independentemente do mérito específico ou do governo que se encontre sob suspeição. Trata-se de medida drástica, perigosa, que traz instabilidade e humilha, divide o país. A luz no fim do túnel seria reverter o processo e com a presidente de volta, porque só as urnas podem tirar presidentes. Ela deveria abrir plebiscito e preparar novas eleições.
– Há quem diga que a literatura contemporânea é chata, que carece de uma narrativa… Como você vê a literatura contemporânea?
– É fascinante. Primeiro porque é aquela onde estamos, agimos, vivemos. Uma possibilidade notável com muitos desafios. Faço parte desses chatos, quando escrevo meus romances, em torno de uma reflexão permanente e colocada ao longo da obra, que se pergunta sempre, que se interroga com paixão e intensidade.
MARCO LUCCHESI
Lançamento do livro “A flauta e a Lua – Poemas de Rûmî”
Nesta quarta-feira, debate às 15h, no ICH (campus da UFJF), e noite de autógrafos, às 20h, no Espaço Manufato (Rua Moraes e Castro 307 – Alto dos Passos)