Sindicância apura assédio na UFJF
“A família toda ficou muito abalada. É um choque para nós. Minha filha está no último período, e tememos pela formatura dela”, desabafou o pai da estudante de Odontologia que denunciou o professor da UFJF por assédio sexual e agressão. Conforme ele, que terá o nome preservado, a filha, após fazer a denúncia, precisou de atendimento médico para tomar calmantes. A jovem preferiu não dar entrevista por enquanto. Segundo o pai, ontem ela ainda estava sob efeito do remédio. Ele contou que estava em casa, quando a universitária ligou pedindo socorro na última quinta-feira. “Quando ela me contou o que havia acontecido, tive que sair correndo de casa para socorrê-la na faculdade, porque o que tinha acontecido é inaceitável”, relatou, acrescentando que a UFJF garantiu que vai apoiar a família. “Agora vamos esperar o que vai acontecer. Se houver justiça, não haverá impunidade.”
[Relaciondas_post]Ontem mesmo uma comissão de sindicância foi constituída pela direção da Faculdade de Odontologia para apurar a denúncia formalizada pela estudante, que tem 23 anos, contra o professor, 61. Os trabalhos da comissão começam na próxima segunda-feira, dia 27. O reitor da UFJF, Marcus David, garantiu que a sindicância vai contar com todo o suporte da Reitoria. “A Administração da UFJF é absolutamente intolerante com qualquer ação de violência. A apuração será rigorosa, garantindo todos os procedimentos legais”, ressaltou, por meio da assessoria. Já na terça-feira, no período da tarde, estudantes da Faculdade de Odontologia prometem realizar manifestação, cobrando providências e alertando sobre a importância das denúncias para que outros casos não fiquem silenciados. A Polícia Civil também recebeu o registro do ocorrido e vai investigar a denúncia por meio da 2ª Delegacia, sediada no Bairro São Mateus.
A criação da comissão foi decidida em reunião na Reitoria, na manhã de ontem, com a presença também da vice-reitora, Girlene Silva, da diretora da Faculdade de Odontologia, Maria das Graças Afonso Miranda Chaves, da coordenadora do curso, Milene de Oliveira, e da ouvidora especial da Diretoria de Ações Afirmativas, Vânia Bara, que, na tarde de quinta-feira, ouviu e acolheu a estudante após a denúncia.
De acordo com a jovem, ela teria sido trancada em uma sala reservada, onde o docente a teria agarrado pelos braços e a forçado contra a parede, ocasião na qual ele teria dito que a universitária era uma reles acadêmica e que ela não teria lugar entre doutores. A estudante ainda foi ameaçada de reprovação. A aluna também denunciou ter sido assediada pelo suspeito, quando estava no quinto período e que tinha conhecimento de que o suspeito assedia outras alunas. Segundo ela, os fatos não foram denunciados anteriormente, porque o professor dizia que ela não se formaria.
A coordenação da Faculdade de Odontologia, juntamente com a chefia de Departamento de Clínica Odontológica, elabora um planejamento para que não haja prejuízo acadêmico para a aluna, que ontem ficou em casa para se recuperar do abalo emocional. Assim, a jovem deverá contar com outro docente para cursar as disciplinas que ainda lhe restam com o professor suspeito.
Ações educativas
A vice-reitora Girlene Silva também garantiu à família da estudante que a denúncia seria tratada com seriedade. A UFJF informou que, como instituição pública, deve observar os procedimentos legais para apurar casos como este, sendo necessária a formalização das denúncias. Com o objetivo de conscientizar a comunidade acadêmica, a UFJF afirma que tem realizado diversas ações educativas, como, por exemplo, a campanha “A Universidade é pública, meu corpo não”, lançada em março deste ano, para chamar a atenção sobre casos de assédio e violência contra a mulher no ambiente acadêmico e estimular a formalização de denúncias contra agressores. Também houve a criação da Ouvidoria Especial da Diretoria de Ações Afirmativas, no início deste mês, que tem o objetivo de funcionar como um local seguro para acolhimento das vítimas e uma porta de entrada para as denúncias formais.
Apes
Conforme o vice-presidente da Associação de Docentes de Ensino Superior de Juiz de Fora (Apes-JF), Agostinho Beghelli Filho, o professor denunciado solicitou à direção da entidade que intercedesse por ele junto à Administração Superior da UFJF, para que houvesse uma reunião com o reitor e a vice-reitora, que foi atendida e realizada na manhã de ontem. Não foi divulgado o conteúdo da conversa. Ainda como apontou Beghelli, a Apes-JF só terá uma posição oficial a respeito do caso depois dos fatos apurados.
Ouvidoria garante apoio jurídico psicológico para as vítimas
O episódio envolvendo a universitária de Odontologia não foi o único que repercutiu na UFJF este ano. Em abril, uma estudante cancelou a matrícula em uma disciplina após ouvir de um docente ofensas de gênero. Segundo ela, no primeiro dia de aula, ele deixou muito claro que mulher tatuada era puta, que a que usava roupa curta era vagabunda e que tinha que ser passada a mão e estuprada, conforme mostrou reportagem da Tribuna na época. A mesma matéria também apontava que cinco docentes tiveram seus nomes citados por estudantes da UFJF em depoimentos que apontam cobranças de favores sexuais. Contudo, em nenhum dos casos houve formalização das denúncias.
Para receber este tipo de denúncia, foi criada, no início deste mês, por meio de aprovação no Conselho Superior, a Ouvidoria Especializada da Diretoria de Ações Afirmativas da UFJF. O órgão tem como finalidade receber denúncias e depoimentos a respeito das situações de discriminação, preconceito, violência e opressão vivenciadas no ambiente universitário, acolher a vítima e realizar o encaminhamento dos registros para serviços de atendimento especializado no interior da UFJF ou na rede pública.
O atendimento será realizado provisoriamente na sala da Diretoria de Ações Afirmativas (Diaaf), de segunda a sexta-feira, das 8h às 12h e das 14h às 18h, ou por meio do telefone 2102-6919. A Ouvidoria dará a garantia de anonimato às vítimas. Conforme a ouvidora Vânia Bara, a unidade também prestará atendimento psicológico e jurídico e fará o acolhimento dos denunciantes. “Também faremos o acompanhamento do andamento dos casos que chegam até nós, pois temos uma preocupação muito grande com a permanência do estudante, técnico-administrativo ou docente na Universidade”, destacou a ouvidora, por meio da assessoria da UFJF.
Coletivo cobra apoio para as denúncias
O Artemísia – coletivo feminista do Instituto de Artes e Design da UFJF – encaminhou nota à Tribuna, afirmando que se sensibiliza e apoia a aluna da Odontologia vítima de assédio sexual e agressão. Conforme o coletivo, é inadmissível que o medo seja recorrente para as mulheres, estudantes e trabalhadoras, num ambiente que deveria oferecer estrutura e proteção, mas em que ainda perpetua a cultura do estupro, a objetificação e a culpabilização da vítima.
“Infelizmente sabemos que esse caso não é exceção, e sim regra do dia a dia das mulheres presentes no Campus da UFJF. Por falta de segurança, apoio nas denúncias e omissão, muitos casos são abafados, e nós mulheres ficamos vulneráveis aos agressores, impossibilitando nossa permanência no campus. É inaceitável que mulheres tenham seu direito de ir e vir suspensos pelo medo”, diz a nota, que acrescenta que cabe à Reitoria buscar entender melhor a situação das mulheres dentro da universidade, além de propor e repensar regimentos e estatutos que ainda privilegiam os agressores. “Não nos contentaremos com uma nota de pesar e campanhas bonitas. Queremos uma Reitoria atuante e que não abafe esses casos. As mulheres do Artemísia estarão na linha de frente, lutando para que toda mulher que esteja nessa universidade faça da sua permanência uma resistência, e que não se curve ao medo. Seguiremos em frente e em luta”, conclui a nota.