TRE aponta limite para reajuste de servidor
O Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de Minas Gerais já se posicionou acerca do embargo de declaração feito pela Prefeitura com relação à consulta feita sobre as implicações e limitações impostas pela Lei 9.504 de 1997 (Lei das Eleições) incidentes sobre a revisão geral da remuneração dos servidores públicos. O questionamento foi feito após o estabelecimento de um impasse nas negociações com as entidades sindicais que representam as diversas carreiras do funcionalismo após a Associação Mineira dos Municípios (AMM) alertar aos prefeitos mineiros que, desde de 5 de abril, o reajuste aos servidores não podem superar a recomposição das perdas inflacionárias acumuladas ao longo do ano da eleição – ou seja, ao longo do atual exercício.
No despacho emitido pelo TRE, em decisão monocrática datada do último dia 31, o tribunal considera que a jurisprudência e a legislação em questão “atinam para a possibilidade de recomposição no ano da eleição, observados os limites temporais estabelecidos no inciso VIII do artigo 73” da Lei das Eleições – exatamente o item que veda recomposição salarial que exceda as perdas acumuladas no atual exercício.
Para a Prefeitura, o parecer é conclusivo. Ontem, em entrevista à reportagem, o prefeito Bruno Siqueira (PMDB) se manifestou sobre o assunto. “Vamos propor o maior aumento possível dentro da legislação vigente”, afirmou. O posicionamento de Bruno deixa claro que para a Prefeitura é ponto pacificado que, desde o dia 5 de abril, o Executivo não pode conceder reajustes superior a inflação acumulada no ano. “É pacificado para a Prefeitura, para o Tribunal Regional Eleitoral e para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE)”, reforça o procurador-geral do Município, Leonardo Guedes.
Assim, o índice a ser oferecido pela Prefeitura ao funcionalismo deve corresponder ao IPCA acumulado entre janeiro e junho deste ano. Como o índice consolidado nos quatro primeiros meses foi de 3,25%, e as estimativas para as perdas de maio variam entre 0,7% e 0,71%, a proposição de reajuste a ser feita pelo Executivo deve ficar 4% e 5% – considerando para junho um percentual médio da inflação dos primeiros meses do ano.
“Anteriormente, fizemos proposta que contemplava o índice acumulado nos últimos 12 meses, que foram negadas pelos sindicatos. Temos atas que comprovam a recusa. Foram feitas antes de sermos alertados sobre a vedação. Tivemos a informação do novo do TSE. Por isso, fizemos uma consulta ao TRE. Sempre tivemos preocupação com o servidor e reajustamos com base no IPCA nos últimos anos, além de os salários estarem em dia. Por esse respeito, não vamos cometer atos de ilegalidade, sob riscos de nulidade do reajuste”, afirma o prefeito.
Ameaça de greve na quarta
Apesar de a Prefeitura entender que a legislação eleitoral restringe a revisão geral dos servidores às perdas inflacionárias acumuladas de janeiro até a efetiva concessão do reajuste – que precisa ser definida até a primeira semana de julho, já que a Lei de Responsabilidade Fiscal veda aumento da despesa com pessoal nos últimos 180 dias do mandato – alguns dos sindicatos que representam as diversas carreiras do funcionalismo municipal ameaçam convocar uma greve na semana que vem. As entidades têm entendimento distinto do defendido pelo Executivo, com endosso do TRE. Os sindicalistas defendem recomposição que abarque até os 12 meses anteriores a suas datas-bases e afirmam que tal prerrogativa trata-se de um direito constitucional.
Conforme o presidente do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais (Sinserpu), Amarildo Romanazzi, o parecer do TRE dá margem a uma dupla interpretação. “A Prefeitura interpretou que não poderia dar o aumento relativo a inflação de 2015/2016. No entanto, durante a reunião, nós fizemos uma pausa com o setor jurídico para avaliar o parecer e entendemos o contrário, que a Prefeitura poderia sim dar o aumento. Eles estão usando o período eleitoral como desculpa para não atender nossa reivindicação.” O presidente disse que se, até a próxima terça-feira, a Administração não mudar o seu posicionamento, os servidores públicos irão deflagrar greve a partir de quarta-feira.
Nos bastidores da Prefeitura, há quem defenda que a movimentação sindical faz parte de uma disputa política. Para o grupo, a adesão à paralisação convocada para a última quarta-feira foi pequena e ainda existe espaço para a construção de entendimento dentro das disposições previstas pela Lei das Eleições. Com relação à ameaça de greve por parte dos servidores, o entendimento do Executivo é de que não há justificativas legais para a deflagração do movimento. “Uma eventual greve cuja motivação seja um aumento além do IPCA acumulado deste ano, como determina a lei desde o último dia 5 de abril, significa uma greve contra legislação. Ao que nos parece, em um primeiro momento, isso teria pouquíssima sustentabilidade”, afirma o procurador-geral do Município.
Consulta
A Tribuna teve acesso ao texto da consulta feita pela Prefeitura ao TRE. Além dos esclarecimentos sobre a aplicação do inciso VII do artigo 73 da Lei das Eleições, o Executivo fez uma série de exercícios para identificar a possibilidade legal de de conceder reajuste acima da inflação acumulada em 2016, ano de eleição, tendo por base a inflação acumulado nos últimos 12 meses. A resposta inicial, entretanto, foi considerada pelo Executivo como inconclusiva. Entre os pontos apontados como ambíguos está um trecho que o juiz Maurício Pinto Ferreira cita o artigo que restringe a recomposição ao ano do pleito, mas afirma que a jurisprudência permite “apenas recomposição salarial do ano anterior”.
Diante do conflito no texto, o Município protocolou um embargo de declaração. Em seu segundo posicionamento, o TRE considerou o recurso da Prefeitura como tempestivo e admitiu a existência de contradição na decisão anterior, reforçando que “a jurisprudência citada e a legislação que rege a espécie atinam para a possibilidade de recomposição no ano da eleição, observados os limites temporais estabelecidos no art. 73, VIII, da Lei das Eleições”.
Para advogado, Constituição se sobrepõe
Advogado especialista em direito eleitoral reconhecido no cenário nacional e com 30 anos de atuação na área, João Fernando Lopes de Carvalho tem uma interpretação distinta sobre o arcabouço jurídico que levou as negociações salariais do funcionalismo público juiz-forano a um impasse. Sobre o inciso VIII do artigo 73 da chamada Lei das Eleições, o especialista entende que a norma tem por intuito impor limites para correções que signifiquem, na prática, ganho real. “O que a lei faz é limitar a possibilidade de o administrador conceder a revisão geral superior à recomposição inflacionária”, afirma.
Para João Fernando, há um direito assegurado no texto constitucional que garante a revisão geral anual, com a reposição das perdas inflacionárias aos servidores. “Apesar de, por conta de questões financeiras, nem todos estados e municípios conseguirem cumprir o disposto à risca, trata-se de um direito”, ressalta. Dessa forma, entende que a Lei das Eleições não pode se sobrepor à Constituição federal, que garante revisão anual com reposição das perda inflacionárias no período. “A redação (do inciso VIII do artigo 73 da Lei das Eleições) não é das mais felizes. Não podemos colocar uma lei específica acima das Constituição. Assim, quando se fala no ano da eleição, entendo que se refere aos últimos 12 meses”, entende o advogado.