Alunos com deficiência estão sem aulas


Por GRACIELLE NOCELLI

23/03/2016 às 07h00- Atualizada 23/03/2016 às 08h07

Professora Cristina Braga dá aulas para alunos autistas.

Professora Cristina Braga dá aulas para alunos autistas. “O aprendizado é mútuo”, diz (Fernando Priamo/22-03-16)

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Mais de cem estudantes com deficiência estão sem aula desde o início do ano letivo por conta da falta de professores bidocentes nas escolas da rede municipal, conforme informações do Grupo de Apoio a Pais e Profissionais de Pessoas com Autismo de Juiz de Fora e Região (Gappa). Além de prejuízo ao aprendizado, a situação impossibilita a inclusão social destas crianças e adolescentes. Sem previsão sobre quando a Prefeitura irá realizar a contratação, pais, familiares, amigos e profissionais das escolas fazem protesto hoje, às 9h, na Praça da Estação, no Centro, para pedir celeridade na resolução do problema. Caso não tenha posicionamento da Secretaria de Educação (SE), o grupo pretende acionar o Ministério Público.

A presidente do Gappa, Ariene Menezes, explica que o problema afeta, principalmente, as crianças que ingressaram este ano na escola. “A informação que tivemos da secretaria é que são mais de cem vagas de bidocentes em aberto, sendo que cada um fica responsável por um aluno. Deste total, 95 se referem aos estudantes que iniciaram os estudos em 2016. As demais são daqueles que já estudavam, mas o professor desistiu do cargo e ainda não foi substituído.” Os bidocentes são profissionais que atuam na área de educação social e inclusiva.

A técnica em enfermagem Juliana Márcia dos Santos Marques, 30 anos, matriculou a filha Daniela, de 4 anos, este ano. Diante da ausência do bidocente para acompanhar a menina, Juliana tem assistido as aulas junto com ela. “Infelizmente, há obrigatoriedade de a criança ingressar aos 4 anos na escola, mas não há suporte para isso. Agradeço que o colégio e a professora não se importaram de eu ficar na sala, mas é uma situação muito difícil.”

Para garantir o aprendizado e a inclusão da filha, Juliana teve que parar de trabalhar. “Desde o diagnóstico de que ela era autista, há dois anos, eu larguei o trabalho em laboratório e passei a fazer doces e tortas em casa. Como agora estou na escola com ela na parte da tarde, não tem sido possível.” A mãe espera que a SE possa contratar os professores o mais rápido possível. “Para a Daniela, é muito importante ir à escola. Em pouco tempo já tenho visto a diferença no desenvolvimento dela, que já aprendeu regras de disciplina e, principalmente, está mais feliz.”

Mas como nem todos os pais têm esta possibilidade, os estudantes têm ficado sem frequentar as aulas. “São alunos que, na maior parte das vezes, dependem de ajuda para realizar ações do cotidiano, como comer ou ir ao banheiro. Eles precisam de uma orientação exclusiva”, explica Ariene. Na última semana, o Gappa recebeu informações sobre uma criança com necessidades especiais, estudante de uma escola na Zona Norte, que estava frequentando as aulas sem a presença do bidocente e saiu da instituição sozinha, sendo encontrada próximo à linha férrea.

Um abaixo-assinado virtual foi criado na última semana para apoiar a causa. As assinaturas serão encaminhadas ao Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência e direcionada à SE. “Esperamos o retorno num prazo de 48 horas, caso contrário, iremos ajuizar ação coletiva no Ministério Público”, afirma Ariene.

Procurada pela Tribuna, a SE respondeu que “a ampliação de vagas para professores está em estudo para atender essa demanda que é nova, criada pelos alunos admitidos na rede municipal neste ano”.

Inclusão por meio do teatro

Mesmo na rede particular de ensino, os problemas para a inclusão de alunos com deficiência existem, conforme relata a aposentada Iêda Maria Barcellos Trindade, 57 anos. Mãe de Daniel, 21, ela diz que enfrentou muitos obstáculos para fazer com que o filho criasse a independência que tem hoje. Para concluir os estudos, o rapaz conviveu com o despreparo de profissionais e preconceito de colegas. “Eu pagava uma pessoa para acompanhá-lo na sala de aula. Em 2012, ele chegou a ser recusado por uma instituição, o que hoje é proibido pela Lei Berenice Piana (Lei 12.764/2012). Meu filho passou por nove escolas, e não foi fácil.”

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Para Iêda, Juiz de Fora carece de apoio e profissionais especializados. “A nossa primeira dificuldade foi conseguir o diagnóstico correto, a Síndrome de Asperger, o que aconteceu somente quando Daniel estava com 16 anos”, relembra. “Meu filho já fazia acompanhamento com psicólogo e psiquiatra, mas ninguém nunca soube o que era. Trata-se de um autismo de alta funcionalidade, e eu fui descobrindo aos poucos como lidar com a situação.”

Hoje, Daniel divide o tempo entre aulas particulares, natação, caminhadas, encontros de três grupos religiosos, participação nas tarefas domésticas e sua mais nova paixão: as aulas de teatro na Associação Cultural Estação Palco. “Eu me sinto muito feliz porque faço o que gosto e tenho aprendido muito”, conta ele.

A diretora do grupo teatral, Nilza Bandeira James, afirma que sempre se preocupou em dar oportunidade para pessoas com deficiência. “Temos alunos com Síndrome de Down e, desde o ano passado, iniciamos a turma com os jovens com autismo. Acredito que no ambiente artístico há maior sensibilidade para a inclusão que a gente deseja.” Ela explica que a turma exclusiva para autistas existe apenas para que cada aluno possa aprender no seu tempo. “Mas temos os exercícios e as peças em conjunto com os outros alunos.” O plano do grupo é aumentar a inclusão com a abertura de novas turmas, também para crianças.

Para a professora de teatro Cristina Braga, que ministra as aulas com os alunos autistas, a experiência é de aprendizado mútuo. “Eles são muito disciplinados, interessados e sempre fazem o que é pedido. O importante é respeitar o tempo de cada um.” Os alunos apresentaram uma peça no ano passado e preparam dois espetáculos para este ano.

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