A sobremesa, por favor!


Por Júlia Pessôa

13/03/2016 às 07h00

Essa semana achei uma foto dos meus 17 anos, superbronzeada, de piercing no umbigo, num ônibus ferrado em Porto Seguro, com minha então companheira de aventuras (hoje comadre) Rafa. Sorri imediatamente ao encontrá-la, mas pensei, automaticamente: “como eu estava magra!”. Não me lembrei do passeio do dia; ou de como curtimos a Baêa no auge do descompromisso; ou dos axés duvidosos que dançamos rindo que só. Vi que era magra. No pretérito. No tempo “não sou mais e talvez não volte a ser.” Deu tristeza por ser programada para pensar assim.

Desde que aceitei o desafio de apresentar o canal de culinária “Tribuna põe a mesa”, uma das coisas que mais ouvi foi: “Ihhh, vai engordar, hein?”. Assim, na lata, normalmente com dedinho balançando em riste na minha fuça. Sem perguntarem se estava sendo bacana. Sem quererem saber como funcionava o programa. Sem questionarem como surgiu a ideia. Só importou, para estes, meu ganho de peso, dado como certo. Culpa, claro, toda minha. Eu, que ouso degustar e me deliciar para todo mundo ver, no vídeo e na vida. Eu, que cometo o terrível pecado de comer e gostar.

PUBLICIDADE

Ao longo da vida, cansei de me flagrar dando justificativas para garçons, atendentes e várias classes de desconhecidos: “Hoje posso o petit gâteau, só comi salada”; “Queria um doce, mas já comi arroz”; “Vou tomar com açúcar, tô de férias”. É desolador ensinarmos tão cedo, principalmente para nossas meninas, que o amor, a aceitação e o sucesso são atrelados a um corpo magro, e que qualquer pessoa tem direito de julgá-lo, seja como for. Passamos a vida inteira nos lamentando pela magreza perdida, pela nunca alcançada, ou ainda pior: por aquela que existiu, de fato, mas que nunca pudemos perceber. Estávamos ocupadas demais nos achando gordas.

Ainda não estou totalmente curada. O caminho é longo até percebermos que é imprescindível que a gente se ame e se permita, porque o tempo é implacável. Provavelmente em dez anos, vou olhar uma foto de hoje e pensar em como estava magra, amando aquela imagem por isso, essa mesma “eu” de hoje. Por que não começar de uma vez? Estou aqui agora, e a vida é só uma, para todo mundo. Você pode até voltar àquela praia, mas o dia em que você se escondeu nos panos e evitou o banho de mar, esse não volta. Sua amiga que te chamou pra um chope e você, de dieta, negou, pode se mudar pra Caixa-Prego e virar só um contato no WhatsApp. O sorvete a que você resistiu no dia em que quase morreu de vontade nunca terá o mesmo sabor quando você tomar assim, só por tomar. Cansei de esperar: vou me amar todo dia.

Não é errado querer emagrecer: malhe; faça dieta; corte uns excessos, sim; e claro, cuide-se. Só não deixe que isso lhe impeça de viver. Porque só tem um tempo pra ser feliz: hoje. E deve ser ruim pra desgraçar ver uma foto antiga, como a minha, e não encontrar resquício de felicidade, independentemente do peso. Permita-se a sobremesa, hoje você pode… só porque quer. Fim.

O conteúdo continua após o anúncio

Os comentários nas postagens e os conteúdos dos colunistas não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é exclusiva dos autores das mensagens. A Tribuna reserva-se o direito de excluir comentários que contenham insultos e ameaças a seus jornalistas, bem como xingamentos, injúrias e agressões a terceiros. Mensagens de conteúdo homofóbico, racista, xenofóbico e que propaguem discursos de ódio e/ou informações falsas também não serão toleradas. A infração reiterada da política de comunicação da Tribuna levará à exclusão permanente do responsável pelos comentários.