Outras ideias: com José Lourenço Machado Júnior
Uma cadeira de rodas sobe, sim, escadas e morros íngremes. Com outros braços. “Nunca encontrei uma escada que me parasse”, confirma Zé. Sentado numa cadeira movida a duas baterias de carro, José Lourenço Machado Júnior, 29 anos, desconserta a ordem. “Nem morro, nem nada”, reforça ele, que, quando os próprios esforços não dão conta, sempre encontra um braço estendido. Encontrou sempre. “Num primeiro momento, de introdução à sociedade, devo muito aos meus pais. Depois, devo tudo aos meus amigos. Tenho um monte de moleques em volta de mim que são heróis. Para empurrar minha cadeira de rodas e atravessar a cidade, ir ao shopping, e a todo lugar, sempre contei com os braços deles”, emociona-se. A prova está a um clique. “Em seu canal no YouTube, “É a vida, Zé” (/EaVidaZe), ele mostra sua rotina, seus amigos, sua namorada e sua certeza de que nenhuma condição é sentença.
“Tenho ossos de vidro, de nascença, um problema congênito, que não tem cura e nem tratamento. Quando parei de crescer, passei a quebrar menos. O próprio ato de crescer do osso forçava, espontaneamente, uma fratura”, conta. “Sou muito mais vulnerável que as outras pessoas, e tenho fraturas constantes. De costela, tenho uma fratura a cada dois meses, quase. A dor é a mesma que você tem, mas acho que funciona como um calo e acabo me acostumando. Ir trabalhar com uma costela quebrada não muda nada para mim”, completa ele, certo de que de seu ponto de vista a paisagem é diferente, o que, por isso mesmo, a faz interessante. “Como é algo que trago desde que nasci, é indiferente. Minha perspectiva é essa desde sempre. Hoje tenho outros referenciais por absorver das outras pessoas. Não tenho que viver uma vida de andante para entender o que ele faz e eu não.”
Que crescimento, Zé!
Sem desculpas. Em casa, desde sempre, o pai mecânico e a mãe vendedora de produtos de beleza cobraram Zé: ser um homem de caráter, um aluno aplicado, um trabalhador responsável, dentre muitas outras características próprias de uma pessoa reta. Nas duas primeiras escolas que tentou ser matriculado, foi recusado. A condição era por demais desafiadora para um sistema de ensino ainda precário. Até que ingressou na Escola Estadual Duque de Caxias, depois passou pela Fernando Lobo e voltou, no Ensino Médio, para a primeira. Cinco anos parado até retornar às salas de aula. “Escolhi programação porque tem vaga para c*** e minha mãe não tinha dinheiro para ficar gastando à toa com faculdade. Com desenvolvimento web poderia trabalhar em casa e, como vivo tendo fratura, seria ideal para mim”, diz. Acabou gostando, e muito. Foi de estagiário a arquiteto de software numa multinacional. Mês a mês juntou suas economias para, há três anos, comprar sua cadeira motorizada.
Que discurso, Zé!
Sem pudor. No caminho, Zé precisou se armar de risos. “Na verdade, o bom humor é seleção natural. Quando estamos na escola tem a menina mais bonita da sala, o menino mais bonito e aquele que vai ser zoado durante toda a aula. Faz parte da vida, não tem jeito. Para não ter a posição que me cabia, de ser o cara zoado, construí o escudo de ser um cara sacana”, afirma, com um discurso articulado entre o sarcasmo e a irreverência. Num de seus vídeos mais populares, com mais de 20 mil visualizações no Facebook, relata quando se viu no espelho e não conseguia tirar os olhos da própria imagem. Conta, então, ter compreendido os olhares que lhe são lançados dia a dia. “Não é o discurso do oprimido que permite que o opressor oprima. Se alguém me olha com preconceito, olho de volta, achando que está sendo ignorante. Mas é uma questão de perspectiva. Não são todas as pessoas que olham discriminando negativamente. Estão discriminando porque discriminar é diferenciar. Olha aquele cara que está na cadeira de rodas e tem o braço torto! Interessante, né?! Se tiver a curiosidade de saber porquê, conto com prazer.”
Que visão, Zé!
Sem filtro. Em 2013, Zé resolveu apresentar, na internet, sua rotina. Não deu muito certo, não tinha tanto tempo, até que criou para si mesmo a meta de, neste ano, bombar seu canal com vídeos mais curtos e mais ágeis. “A ideia é apresentar uma vida diferente sem focar apenas na diferença. Minha vida é diferente, nem melhor, nem pior”, pontua. O próximo desafio que deseja mostrar é um tour pelos restaurantes da cidade, cada dia um jantar diferente. “Quero ter uma audiênciazinha”, diz ele, que aprendeu a editar e a manipular a rede social especialmente para dar um ar profissional à sua produção, na qual aparecem, com frequência, os amigos e a namorada, com quem está junto há quase cinco anos. “O segredo para chegar numa menina não é ser bonito, é saber o que falar”, ri o homem que se move nas palavras e nos sentimentos certos.