Educação financeira começa cedo
O costume de muitos pais darem uma “graninha” para o filho concretizar os primeiros desejos consumistas vai muito além de benesse paterna. A mesada é considerada um importante instrumento de educação financeira, que precisa ser orientada, regrada e consecutiva para que alcance o objetivo proposto – preparar o filho, desde novo, para lidar com o dinheiro de forma responsável e equilibrada, principalmente na vida adulta. O problema é que, apesar da boa intenção, em casa – e na prática -, há mais erros do que acertos, avaliam especialistas.
Profissional em educação financeira Cássia D’Aquino Filocre, membro correspondente da International Association for Citizenship, Social and Economics Education, explica que a mesada contribui para que os filhos, quando crescidos, não cometam “erros maiores com quantias significativas”.
Conforme Cássia, é preciso que os pais saibam que a mesada é uma maneira, dentre muitas outras, de se educar em relação ao dinheiro. “Quando ela é bem dada, na dose e na hora certas, o resultado é bom”. O problema, avalia, é que, na prática, há mais equívocos do que acertos, muitas vezes pela falta de compreensão sobre como funciona o instrumento. “A mesada dada de maneira regrada, consecutiva e com intenção não é fácil encontrar.”
Entre os erros mais comuns, estão a falta de clareza sobre o motivo do pagamento, a ausência de consenso sobre a quantia a ser dada, o esquecimento do dia combinado para acerto e o atrelamento à obediência, cumprimento de pequenas tarefas domésticas (como arrumar o quarto e manter os brinquedos em ordem) e metas de desempenho escolar. Nestes casos, adverte, é como se os pais estivessem pagando à criança pelo seu bom comportamento, o que é contraindicado.
Além da necessidade de abolir estas práticas – caso elas ocorram -, a especialista adverte para a importância de explicar à criança, de forma clara, o motivo de ela estar recebendo o dinheiro, além de comunicar as regras da mesada e, principalmente, cumpri-las. Conforme Cássia, não se deve esquecer de entregar à criança um caderno, no qual ela possa anotar os ganhos e os gastos, aprendendo a controlá-los. “É preciso sentar com os filhos e mostrar a eles como se organiza o dinheiro.” Para ela, o ideal é introduzir a prática por volta dos 6 anos, em função do desenvolvimento psíquico organizacional. É nessa fase que começa o interesse pela matemática, exemplifica.
A manicure Miriane Sibelis de Almeida Oliveira, 36 anos, costuma dar mesada à filha Camilly, 10, há mais de dois anos. De olho no encanto da menina pela boneca Barbie, a mãe decidiu destinar pequenas quantias para ela juntar até atingir o valor do produto (R$ 100). “Ela mesma comprou e se sentiu muito capaz.” Conforme Miriane, a filha gosta de guardar o dinheiro recebido – cerca de R$ 15 a R$ 20 por mês – para comprar produtos de maior valor, embora, vez por outra, acabe gastando a mesada com desejos mais imediatos, como doces, roupas e livros. “Ela até me deu óculos escuros de presente de Natal”, orgulha-se a mãe. Agora, a menina guarda para comprar um jogo eletrônico, orçado em R$ 80.
Conforme a manicure, a própria filha escolhe como gastar o dinheiro, sempre sob o olhar e a orientação dos pais. Na casa dela, o acerto não é condicionado ao comportamento da criança. “Não uso valor da mesada como castigo, prefiro não educar assim.” Segundo Miriane, enquanto muitos pais reclamam da falta de limite dos filhos, principalmente quando vão às compras, ela diz não ter motivos para se queixar. Desde muito nova, Camilly os acompanha no supermercado, sabendo que tem uma cota nas compras, que precisa ser cumprida. “A cada mês, ela escolhe um produto e sabe o limite que tem.” Para a mãe, o principal ganho da mesada é que a filha consegue ter noção da condição financeira da família. “Ela sabe que as coisas não estão fáceis e que é preciso juntar para conseguir algo. Nada cai do céu.”
Para cada idade, um intervalo
Apesar de mesada ser o nome genérico do dinheiro dado com regularidade pelos pais a seus filhos, o especialista financeiro Álvaro Modernell, diretor da Mais Ativos Educação Financeira, orienta que a frequência deve variar de acordo com a idade da criança. Conforme Modernell, os menores têm dificuldade de lidar com intervalos temporais mais longos, o que pode causar frustração ou ansiedade no trato com o dinheiro. “O ideal é customizar o intervalo de acordo com a idade.” A sugestão é que se avance, progressivamente, do pagamento eventual (até 6 anos) ao mensal (acima de 11), conforme o quadro.
Outra dúvida comum dos pais é em relação ao valor a ser destinado para cada criança. Segundo Modernell, não há regra a ser aplicada a todas as famílias, que diferem em termos de renda e hábitos de consumo. “Um bom parâmetro pode ser obtido a partir da observação de costumes e necessidades da criança durante dois ou três meses, antes de iniciar o pagamento.” Outra base pode ser conseguida a partir da conversa com pais dos amigos mais próximos para que a mesada do filho seja compatível tanto com a capacidade financeira da família quanto dos valores recebidos pela turminha dele. “Na dúvida entre dois valores, opte pelo menor, pois a escassez ensina mais do que a abundância.”
Como trata-se de um aprendizado, os pais devem ficar atentos a algumas situações. O especialista adverte que a mesada não deve ser usada para o lanche escolar, evitando o risco de a criança optar por deixar de se alimentar para usar o dinheiro para outra finalidade. Também não se deve exigir contrapartida ao pagamento, como cumprimento de atividades, caso contrário configuraria salário ou honorário. “Arrumar o próprio quarto, cuidar dos bens e do material escolar são obrigações sociais que não devem ser remuneradas.”
Contemplar, na mesada, um valor destinado à poupança e evitar atrasar ou adiantar o pagamento também são regras importantes, orienta. “Um sinal de alerta é o exagero de um lado ou de outro. Gastar demais sem ponderação é tão preocupante quanto poupar tudo. É preciso ficar atento aos sinais de desenvolvimento de uma personalidade perdulária ou mesquinha.” Em caso de exageros frequentes ou acentuados, a recomendação é buscar apoio profissional.
Costume sobrevive a gerações
A pequena Maria Eduarda Ferraz Teixeira, 4 anos, até sabe que recebe mesada do avô, mas ainda não tem aval para gastar o dinheiro. A avó, a aposentada Eliane da Silva Ferraz, é o caixa da casa. Ela recebe os R$ 120 por semana e os guarda, para atender às necessidades da menina. Eliane tem experiência no assunto. Mesmo após ter passado dos 60 anos, continua recebendo mesada de seu pai, o bisavô da Maria Eduarda.
“Recebo mesada desde mocinha e continuo até hoje”, comemora. Do pai, Eliane ganha R$ 200 por mês. Do marido, mais R$ 120 por semana. Com o dinheiro, a aposentada costuma comprar cigarros, remédios e roupas. “Não gasto além do que esteja na minha possibilidade de pagar.” O dinheirinho da neta costuma ficar guardado para a concretização de algum desejo dela ou até que a menina tenha condições de lidar com ele, explica. A mesada pagou a festa com o tema princesas no aniversário deste ano e vai financiar a do próximo também. “Tudo é voltado para a menina. Mesada é muito bom, e ela merece.”
Com duas filhas adolescentes, de 12 e 18 anos, o autônomo Ramon Santos, 48, destina R$ 120 por mês para cada uma. Na opinião do pai, o ideal seria que elas gastassem o dinheiro com atividades de lazer, como cinema e lanches com amigos, além de maquiagem e roupas. “Eu tento aconselhar, mas vejo que elas acabam sendo influenciadas pela nossa sociedade, muito consumista.” Há gastos em que ele não vê muita utilidade, chegando a ser “fúteis”, na sua opinião. “De qualquer maneira, elas sabem o dinheiro que têm e precisam trabalhar com aquilo.”
Conforme Ramon, a primogênita começou a receber aos 10 anos. Com a mais nova, a prática teve início mais cedo, com 8. A antecipação, segundo ele, aconteceu em função da “mudança dos tempos”, o acesso à internet e a cobrança da mais nova, de olho no benefício recebido pela irmã. Ramon comenta que o pagamento foi progressivo. A semanada evolui para o acerto de 15 em 15 dias até chegar à mesada. “A mesada é boa para a criança começar, desde cedo, a aprender o valor do dinheiro e a controlá-lo.”
O educador financeiro Reinaldo Domingos, autor de coleção didática de educação financeira para o ensino básico, adotada em várias escolas brasileiras, considera importante explicar para o filho, por meio de conversas, jogos e brincadeiras, que nem tudo que ele quer ou assiste na TV é para comprar. “É preciso estimulá-lo a refletir e pensar sobre como utilizar o dinheiro, priorizando os sonhos. Reserve as datas especiais (aniversário e Natal) para dar brinquedo à criança, evitando que ela queira tudo o tempo todo.” Segundo Domingos, muitas crianças e adolescentes gastam além da conta e passam a recorrer sistematicamente aos pais para conseguir mais dinheiro. “Se os pais cedem aos pedidos não ensinarão a controlar os impulsos, criando a ilusão de que pode-se gastar sem limites.” Quando isso acontece, explica, a mesada perde a sua função educativa.