Sexta-feira
Toda sexta é complicada na redação. É o dia em que as edições do fim de semana são adiantadas e existe também um fator, um comichão, um “sei lá o quê” que faz tudo acontecer às sextas. Escrevo a coluna com várias janelas abertas no computador, meu jeitinho caótico de organizar as informações em matérias que estarão no jornal de amanhã. Escrevo no dia em que um homem levou não só um tiro, mas dez, em plena luz do dia, no Centro, na calçada, pra todo mundo ver. É uma das janelas em meu monitor. Na outra, um caminhão de sucata que tombou sobre um carro, mostrando que a vida é assim mesmo: você pode estar no seu carro e tombar um veículo gigante em cima do seu, sem qualquer aviso prévio, qualquer possibilidade de rota de fuga, nada. Muitas vezes, a vida é esse caminhão que cai sobre seu carro. E não tem nada que você possa fazer a respeito.
Ainda assim, tem gente com tempo sobrando para questionar o direito de as pessoas usarem o banheiro correspondente a como se reconhecem na vida. “Um homem pode entrar no banheiro de mulheres para assediá-las”. A resposta, claro, é sempre limitar os direitos de quem está à margem, no caso a comunidade trans. Quem tem que ser combatido é o agressor, sempre. Ele, sim, não deveria entrar em banheiro algum, com pessoa alguma, deveria estar preso, privado do convívio com a sociedade. Continuo lendo a janela aberta, constato a tendência humana em ignorar a corda sempre arrebentando do lado mais fraco. E até fazendo força para que ela se rompa.
Depois de tantos caminhões em minha cabeça, a janela seguinte faz meu coração palpitar forte, quase na boca. A medula do Paulinho, que mobilizou a cidade toda na luta contra a leucemia, “pegou”: o transplante deu certo. Ligo para a mãe, converso, me informo, anoto tudo. Desligo o telefone e choro. Escrevo a matéria, busco as anteriores, revejo cada passo da campanha e do tratamento. Choro mais. Pelos tiros no Centro. Pelos acidentes de trânsito. Pelo Rio Doce, agora tão amargo. Pelos #amigossecretos que nos oprimem, assediam, violentam e matam. Por tudo que fica engasgado e a gente não tem tempo de desaguar. E pela vitória do Paulinho. Toda sexta é complicada na redação.