Carapuça fashion week


Por Júlia Pessôa

08/11/2015 às 07h00

Nunca entenderei o repúdio à luta por uma sociedade mais humana. Mesmo que você ache o feminismo uma palhaçada, creia que realmente que não há racismo no Brasil, ou ache que gay é uma aberração, por que uma vida melhor e mais justa para o outro (e para a outra), que não vai interferir nos seus privilégios, incomoda tanto e cria respostas tão duras na internet e na vida?

Talvez seja porque a figura do monstro vem sendo desconstruída. Machista não é só o ogro que espanca, nem o doente que estupra. Também é dizer que a fulana de 15 anos já “dá um caldo”. Racismo não é só o ataque à Thaís Araújo no Facebook, mas também expressões como “serviço de preto” e “mulata tipo exportação”. Homofobia não é apenas “matar veado”, é também dizer “nada contra homossexual, mas não pode ser afetado.” Com “brincadeiras”, “piadinhas” e “opiniões”, vamos legitimando a cultura do estupro, a desigualdade racial, de gênero e o preconceito sexual.

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Reconhecer uma postura que condenamos em nós mesmos é um choque de realidade que, na maioria das vezes, pega de surpresa. Eu mesma até poucos anos atrás achava que o mundo está chato, que tudo ofende, que o povo se faz de vítima. Com o tempo, fui amadurecendo e questionando: será que, ao defender meu direito pelo “politicamente incorreto”, não estou reivindicando só o direito de ser babaca? Por que minha “liberdade de expressão” deve ser mais importante que a dor dos outros, seja qual for?

A luta e os discursos pelos direitos de quem não os tem ofende tanto porque distribui uma série de carapuças que servem na maioria das cabeças – inclusive a minha e a sua. Resta saber se vamos vesti-las para sempre, seguindo indignados com o “vitimismo”, ou se teremos coragem de arrancá-las e engrossar o coro dos que um dia ferimos – ainda que sem conhecimento ou intenção. Quanto a mim, procuro me despir de todas as minhas muitas carapuças diariamente. Quem vem comigo?

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