“Recordo que no início do ensino fundamental tive o diagnóstico médico de TDAH. Naquela época, o pouco conhecimento que as pessoas tinham sobre isso fez com que minha mãe tivesse receio em dar a medicação – eu era muito pequeno. Acho que para ela toda a criança tinha uma agitação normal e, por isso, preferiu esperar e me colocar em muitas atividades físicas (vôlei, ginástica olímpica, boxe).
Eu era um menino agitado, impossível, bagunceiro, desinteressado pelo estudo, indisciplinado. A vida passou e hoje sou rapaz de 20 anos que tem TDAH, que encontrou a explicação de tudo isso, descobri que sou muito inteligente, criativo, amoroso, capaz e muito amigo.
No colégio eu era o ‘peste’, os professores não entendiam o que se passava comigo e faziam piadinhas porque sabiam que essa era a única forma de me manter ‘amuado’ no canto. Recordo que alguns professores diziam em voz alta que eu tinha TDAH. Essa afirmativa era para todos ouvirem e como era num tom queixoso, me deixava sem graça.
Recordo de na pré-escola, todo dia, sentar de castigo na parede (eu me lembro direitinho da parede). Eu ia de mesa em mesa mexendo em cada coisa dos colegas porque terminava o dever mais rápido e não conseguia ficar sentado esperando. A professora falava ‘fica quieto’ e todos paravam, menos eu. Na verdade, não entendia esse limite e era interpretado como mal-educado, sem respeito. Eu não era isso, eu gostava deles, queria obedecer, ser igual aos outros colegas, mas não conseguia, eles não compreendiam minha inquietação e me castigavam.
No ensino fundamental, cheguei a fazer prova no corredor, fora da sala, porque não ficava quieto. Eu era muito exposto, exposto negativamente para meus colegas e familiares, já que eu era chamado constantemente pela direção.
Durante as aulas, quebrava a ponta do lápis, de propósito, muitas vezes para ter a desculpa de levantar e ir até a lixeira apontá-los.
Quando o professor pedia para que lesse uma parte do livro, não conseguia ir até o final, fixava minha atenção nas gravuras. Teve vezes, em prova, de não conseguir ler o texto, lia o primeiro parágrafo muitas vezes e não entendia. Aí perdia a paciência, não saía do mesmo parágrafo, depois marcava qualquer coisa. Quando fui ficando mais velho, foi ficando mais difícil.
Não via televisão de jeito nenhum. Tinha dificuldade em trabalhar e estudar. Não sabia o que queria da vida e achava que não era desse mundo. Não tinha esperança na vida. O meu cérebro tinha mais dificuldade em armazenar informações, devido a minha distração.
Hoje gosto de sentar e ver TV, consigo assistir a um programa durante um bom tempo. Consigo ter uma rotina e trabalhar. Sinto mais tranquilo, tenho esperança na vida. Eu sei que posso encontrar alguma coisa na vida para fazer que dê prazer e realização, descobri que sou artista.
Hoje sei que TDAH é um transtorno que traz impactos em diversas áreas da vida e tem a ver com a desatenção, hiperatividade e impulsividade além da normalidade.
E com ajuda de medicamentos e de um trabalho psicopedagógico tenho descoberto alguns talentos e possibilidades.”
20 anos
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“Eu sempre fui agitado, minha perna sempre está mexendo, minhas mãos estão sempre suadas, vivo esfregando as mãos. Quando eu começo a fazer alguma coisa, como uma brincadeira de pique pega, a brincadeira acaba e eu continuo energético o dia todo. “
9 anos
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“Eu fico dez minutos fazendo dever e nunca termino (só se alguém me ajudar); às vezes, tenho a sensação de que preciso me libertar, sair correndo, como se tivesse uma energia presa. Hoje, quando sinto isso, vou para a academia e fico uma hora pegando peso; eu melhorei. Quando era menor, queria brincar de coisas diferentes dos meus amigos, aí me sentia isolado por não atender ao padrão. Eu era meio robotizado, rígido, impulsivo, achava que tinha que revidar; para mim, toda a ação gerava uma reação e, quando alguém me provocava – professora ou colegas -, eu revidava. Hoje consigo me controlar e pensar antes de agir. Achava que o trabalho do psicopedagogo era só por dinheiro, mas agora vejo que cria laços e que ele vê a pessoa como é e quer ajudar, não é padronizado. Eu sinto confiança. Quanta coisa que fazia, não faço mais. Quanto ganho poderia ter tido se tivesse feito o trabalho antes: repeti duas vezes o ano, não foi por falta de inteligência e capacidade, e sim de interesse.”
16 anos
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“… Depois que comecei a fazer esse trabalho (psicopedagógico) estou entendendo um pouco mais de mim e vendo que sou um pouco lerdo, parece que não presto atenção, mas eu presto, só que, é diferente, não é na hora; mas sou inteligente. Hoje, por exemplo, meus pais me trouxeram para cá e vieram conversando no carro sobre muitas coisas, e só agora lembrei o que eles falaram, foi sobre o aniversário do meu irmão, entende?! Eu sou um pouco lento para perceber as coisas. Antes as pessoas diziam que eu era quieto demais e que não falava com ninguém; chegava na sala, ficava no fundo, com fone de ouvido, não prestava atenção e estava sempre em recuperação. Este ano as coisas mudaram: continuei sentado no canto, mas as notas melhoraram, passei direto e até dei cola para 3/4 da sala, em várias matérias. Eu acho que estou orgulhoso de mim. Orgulhoso em relação a mim, tipo, cuidando mais do meu corpo, estou falando mais com as pessoas, estou me achando mais inteligente, estou com uma velocidade de raciocínio maior. Agora faço um planejamento da minha semana; minha mãe ajudou a montar uma agenda.”
14 anos
Os pais necessitam de orientação e uma reeducação do olhar. Portadores de TDAH costumam esquecer de pagar as contas, perdem seus pertences com facilidade, não se lembram de compromissos nem do que foram apanhar na cozinha, ou, quando lembram, geralmente alguma coisa fica pendente ou sem finalização; perdem a hora, prazos, sempre acham que ainda tem tempo para realizar determinada tarefa (quando na realidade não tem). Apesar da manifesta “distração”, são muito capazes e competentes, principalmente se seguirem um tratamento de maneira correta, trabalho que pode incluir medicação, psicoterapia, psicopedagogia. A complexa desordem comportamental pode levar a variáveis graus de comprometimento na vida social, afetiva, escolar e familiar.
O conhecimento precisa ser socializado, compartilhado, porque é ele que vai fixar a felicidade, tornando-a mais estável. Ele garante a solidez da ação e assegura o acerto. Por isso, gostaria de dividir algumas sugestões com você, leitor; são pequenas orientações que dou às famílias, na clínica psicopedagógica, capazes de ajudar a tecer a grande costura humana, nos casos de TDAH:
- Regularidade nos exercícios físicos, de preferência com regras e limites bem definidos , já que possibilitam gastar/canalizar o excesso de energia que tem.
- Dormir bastante, porque poucas horas de sono podem diminuir a capacidade de manter o foco durante dia, prejudicam a coordenação motora e comprometem a capacidade de raciocínio. O desempenho físico e mental está diretamente ligado a uma boa noite de sono.
- Criar uma rotina, procurando uma estruturação e gestão do tempo/dia, entendendo a disciplina como o primeiro hábito para chegar a qualquer conhecimento. Essa ordem favorecerá uma disposição inteligente e cuidadosa das coisas.
- Estimular a realização das tarefas escolares e os estudos em horários pré-fixados.
- Fazer listas e usar a agenda, já que essas práticas convidam ao ordenamento da vida/tempo; o planejamento é condição necessária para o bom desempenho das pessoas com TDAH. Planejamento, assim como treinamento em relação ao controle mental, inibição, flexibilidade, raciocínio, estratégias, tomada de decisões, auto-monitoramento (…), todas as competências inter-relacionadas das chamadas funções executivas, que estão ligadas ao uso de recursos pessoais, cujo papel vital contribui para a organização e o planejamento de todas as nossas ações. A principal região cerebral relacionada ao funcionamento executivo é o córtex pré-frontal. As disfunções executivas são marcas importantes dos portadores de TDAH e precisam ser trabalhadas.
- Um ambiente escolar e familiar – dentro do possível – previsível, regado de paciência e disponibilidade, atitudes que ajudam na manutenção do controle e estabilidade emocional.
- Criar pausas regulares entre as tarefas para que os filhos possam relaxar por alguns minutos.
- Usar jogos, brincadeiras e desafios para motivá-los, para canalizar a energia, aumentar a percepção e conhecimento acerca de si mesmo, entendendo essa ação como educativa e terapêutica.
- Repetir, olhando nos seus olhos, o comando que for dado a ele, usando sentenças claras para facilitar o entendimento, depois pedir que repita o comando para ter certeza de que entendeu o que foi solicitado. O contato visual ajuda a torná-los mais alertas às orientações e ensinamentos, além disso, para que as coisas existam, é preciso que haja repetição. A repetição é uma lei importante para a assimilação na aprendizagem.
- Criar a função de colaborador em casa, isso favorece a sensação de pertencimento, valor e eleva a autoestima. A autoestima é uma avaliação subjetiva que o sujeito faz de si mesmo, podendo ser positiva ou negativa, envolvendo crenças pessoais e emoções associadas. Essa prática favorece o desenvolvimento da autoaceitação, da autovalorização: postura positiva com relação a si mesmo, satisfação com suas próprias expectativas.
- Dar uma supervisão geral na mochila, agenda, calendário de prova, dever de casa, tarefas feitas ou copiadas em sala, seus armários e quartos, já que estão frequentemente desorganizados/incompletos. É preciso dedicar parte do seu tempo diário para ajudar seu filho nesta organização.
- Mostrar/cobrar limites atuando com a “enérgica doçura”, estabelecendo normas claras e atuando de forma coerente diante delas, mantendo o sentimento inalterável.
- Evitar castigos excessivos e violência física e psicológica porque inibem a liberdade de pensar e a faculdade de entender. O medo paralisa a ação. Constantes ameaças de “surra” pelo mau comportamento, não dão bons resultados.
- Cuidar das palavras que os pais pronunciam, já que tem força de influência. Elogiar os bons feitos com os resultados alcançados , pronunciar palavras de insatisfação regadas de confiança na possibilidade de mudança, quando o comportamento for inadequado. A palavra é nosso capital interno, expressa o conteúdo da vida. Cabe aqui uma reflexão: quantas frases foram ouvidas na nossa infância e ecoam em nossas vidas até hoje trazendo marcas, ondas, sombras, medos? Quantos soaram como estímulo, alento, encontros, favorecendo as lutas e o caminhar seguro e confiante no presente?
- Estimular a reflexão acercada própria atitude, analisando sua atuação, verificando possíveis soluções para aprender com os próprios erros. A autoavaliação pode favorecer uma autoimagem real, uma maior tolerância em relação às próprias dificuldades. Ensaiar o exercício de conhecer o próprio ato de conhecer, prever o próprio comportamento (e o dos outros) é característica da metacognição: a capacidade de pensar sobre o pensamento.
- Explicar como ele deve comportar-se, utilizando o recurso da pergunta e da repergunta, tudo para promover a ativação da capacidade de pensar para responder e da faculdade do entendimento, permitindo a penetração dos conhecimentos, da observação, da experiência, de forma gradual, no interno do indivíduo.
- Favorecer a interação social, criando condições e apoiando a aproximação com colegas e familiares, a fim de afastar a tendência ao isolamento e à solidão.
O psicopedagogo é o profissional que investiga os aspectos que envolvem os seres humanos, em sua constituição objetiva (realidade, o que está fora do indivíduo, consciente, estrutura lógica, conhecimento) e subjetiva (irregularidade, o que está dentro do sujeito, inconsciente, emoções, estrutura alógica, desejo). Como especialista em aprendizagem, precisa estabelecer um verdadeiro vínculo com a família, a fim de contribuir para a modificação do comportamento e melhoramento das condições do indivíduo. O psicopedagogo é alguém para se con-fiar (fiar junto, tecer no ventre).