Conheci um menino de 5 anos que apresentava dificuldades pedagógicas e no comportamento social: rebelava-se contra as regras, corria no supermercado escondendo-se de todos, apresentava dificuldade para esperara vez de ser atendido, não demonstrava envolvimento na aprendizagem formal da escola, tampouco realizava as atividades com capricho e entusiamo. Ainda fazia uso da chupeta e da mamadeira e sua mãe justificava a dificuldade do filho em se alimentar pela manhã. Quando estava realizando uma atividade comigo e algum objeto caía no chão, ele olhava para mim e dizia “pega”. Apesar de apresentar tantas lacunas, demonstrava inteligência preservada, excelentes capacidades intelectivas, psicomotoras e cognitivas.
Mamar e sugar são esquemas comuns da inteligência sensório-motora – período que vai do nascimento aos 2 anos. Ao desenvolver a sucção, o bebê começa a diferenciar o seio da mãe, do bico da mamadeira, da chupeta, do dedo; depois percebe os objetos que são sugáveis e os que não são; assim vai ampliando o entendimento do universo à sua volta (isso é aprendizagem). A sua inteligência, totalmente prática, é pura percepção e ação; seu comportamento social é de isolamento e indiferenciação, ou seja, o mundo é ele.
Com o tempo, a criança dá sinais de transição e desenvolvimento porque começa a andar, raciocinar, falar – comunicar-, imitar, fantasiar, substituir um objeto ou acontecimento por uma representação (função semiótica ou simbólica), passando para o período pré-operatório, que, segundo Piaget, vai dos 2 aos 7 anos de idade.
A mudança na exploração e atuação no mundo e a qualidade da linguagem nesta fase da vida indicam evolução, aprendizagem e desenvolvimento, convidando à alterações e substituições de antigas práticas por parte dos pais, transição que, por vezes, soam como perdas e dificuldade em aceitar que o filho cresceu e que, por isso, precisa de outra classe de orientação e estímulos.
O fim do uso da mamadeira e da chupeta pode significar o marco entre o término de uma fase do desenvolvimento e o início de outra.
A família desta criança, preocupada e atenta, percebendo a dificuldade e a própria limitação em termos de recursos, buscou ajuda na escola e em um trabalho psicopedagógico.
É preciso trabalhar diretamente na faculdade do entendimento através de perguntas e explicações, exemplos claros e reflexões projetivas, conduzindo a inteligência e a sensibilidade até as respostas das próprias inquietações. Este movimento acarreta ações seguras, fundamentadas, com resultados promissores.
Tive o privilégio de acompanhar de perto este processo, registrando cada mudança nos hábitos e na postura desta criança (e da família): extinção da chupeta, substituição da mamadeira por um café da manhã na mesa, a construção de uma rotina que inclui a execução dos deveres com independência, o interesse pelos conteúdos da escola – iniciando a fase da alfabetização-, maior obediência em relação aos comandos da família, rosto mais sereno, comportamento dócil, semblante mais feliz…
E hoje, quando os objetos caem no chão da minha sala, a expressão “pega” é substituída por outra, mais generosa, compreensiva e ética: “deixa que eu pego”.
Semana passada fui a uma escola conversar com a coordenadora do ensino fundamental, Alessandra da Silva, a respeito de um aluno. Em 2017, ele apresentou muitas dificuldades de relacionamento. No final do ano, após exame médico, veio o diagnóstico de TDAH. Este ano, ele repetiu alguns comportamentos descolocados com uma colega nova que logo fez queixa dele para a mãe. Ao ser procurada pela família, a coordenadora explicou que a atitude mostra que ele quer ser amigo dela, mas que nem sempre sabe expressar clara e adequadamente esta vontade. A condução da conversa foi em um nível tão respeitoso e explicativo, que abriu o entendimento das duas – mãe e filha – levando-as a verem a situação sob outra ótica (positiva) e a quererem estabelecer um vínculo mais próximo com ele. O domínio do conhecimento acerca do transtorno e dos valores da criança levaram esta coordenadora a posicionamentos oportunos e à criação de um ambiente de ensinagem na vida de todos os envolvidos.
Portadores de TDAH apresentam déficits nas funções executivas, ou seja, nas habilidades que controlam e regulam outras capacidades e comportamentos , como, por exemplo: capacidade de iniciar e parar as ações, monitorar e alterar o comportamento quando é preciso, controlar impulsos, agir com paciência, etc. A compreensão (saber) levou a uma ação prudente e verdadeiramente docente.
O entendimento é como uma grande janela mental que percebe o efeito e direciona a vista para recolher do externo todos os elementos úteis e depois, organizando-os com o auxílio de outras faculdades mentais acessórias, cumpre com a finalidade de querer saber, de ter a intenção de saber. González Pecotche, educador argentino, ensina que devemos tocar as verdades com as mãos do entendimento para alcançar sólidas compreensões e gerar sólidos vínculos humanos.
O entendimento contribui para a realização do esforço consciente e feliz.