O Brasil atravessa um longo período de convulsões e conflitos de ordem política, econômica, cultural e social. Em meio à cacofonia de vozes dissonantes e demagógicas, de discursos intolerantes pedindo tolerância, de defesa partindo para o ataque e de construção de verdadeiras muralhas intransponíveis, nas quais o “nós” e os “outros” emergem declarados ou não, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) vê-se no dever pastoral de emitir notas oficiais. De fato, face a tantos tweets, posts, memes e mensagens de aplicativos, além das já tradicionais multimídias como rádio, cinema e TV, que se servem sobretudo de incompreensão, superficialidade e agilidade com que temas sérios são transformados ora em ódio, ora em comédia bufônica… de forma trágica para os mais desfavorecidos e oportuna para os donos do poder, a Igreja não pode se deixar levar e precisa da orientação episcopal.
A CNBB, só neste ano, já emitiu notas contra a Reforma Trabalhista e a Previdenciária, sobre o escândalo das delações e sobre “o grave momento nacional”, clamando com indignação pela “ética na política”. Emitiu nota também para manifestar com veemência seu repúdio aos decretos que pretendiam extinguir uma enorme reserva nacional, ao que chamou de políticas governamentais que adota “a perversa lógica do mercado, (…) em detrimento da vida, da dignidade da pessoa e do cuidado com a Casa Comum”. Ainda, por ocasião do 7 de setembro, convocou os fiéis a participarem do Grito dos Excluídos e a se mobilizarem pacificamente em defesa da dignidade e dos direitos do povo brasileiro, propondo “a vida em primeiro lugar”, com o lema: “Por direitos e democracia, a luta é todo dia”.
Nesse caminho missionário, o Conselho Permanente da CNBB, reunido em Brasília, de 24 a 26 de outubro, emitiu mais duas notas oficiais e uma mensagem, versando ainda sobre o cenário político e econômico, além do social e cultural. Motivados por acontecimentos recentes envolvendo a utilização de símbolos religiosos da fé católica em manifestações e exposições “artísticas”, a mensagem destaca que “crescem em nosso meio o desrespeito e a intolerância que destroem esta harmonia, que deve marcar a relação da arte com a fé, da cultura com as religiões”. Mesmo sendo a arte livre e criativa, não pode desconsiderar os sentimentos e valores, muitas vezes, revestidos de uma sacralidade inviolável. Diz ainda que “vivemos numa sociedade pluralista, por isto, precisamos saber conviver com os diferentes”. Por isso, clama a sociedade a “promover o diálogo e o encontro, por meio dos quais as pessoas, em suas diferenças, respeitam e exigem respeito, e permitem sentir a riqueza que cada um traz dentro de si”.
Já a nota sobre trabalho escravo classifica de “desumana” e considera “um retrocesso a Portaria 1.129 do Ministério do Trabalho, que alterou as regras para classificação e combate a essa prática odiosa que persiste no país. “Tal iniciativa elimina proteções legais contra o trabalho escravo arduamente conquistadas, restringindo-o apenas ao trabalho forçado com o cerceamento da liberdade de ir e vir. Permite, além disso, a jornada exaustiva e condições degradantes, prejudicando, assim, a fiscalização, a autuação, a penalização e a erradicação da escravidão por parte do Estado brasileiro”, afirma a CNBB, somando sua voz a inúmeras reações nacionais e internacionais.
Por fim, na nota sobre atual momento político, manifesta, mais uma vez, sua apreensão e indignação com a grave realidade político-social vivida pelo país, afetando tanto a população quanto as instituições brasileiras. A crítica se dirige “à falta de ética, à barganha na liberação de emendas, à retirada de indispensáveis recursos sociais, que aprofunda o drama da pobreza”, mas também destaca a crescente “apatia, o desencanto e o desinteresse pela política da população brasileira, inclusive dos movimentos sociais”. “Apesar de tudo”, afirmam os bispos, “é preciso vencer a tentação do desânimo. Só uma reação do povo, consciente e organizado, no exercício de sua cidadania, é capaz de purificar a política, banindo de seu meio aqueles que seguem o caminho da corrupção e do desprezo pelo bem comum”.