Um dia desses, reli o conto de Dalton Trevisan, “Uma vela para Dario”. Trata-se de uma perturbadora historieta: um homem, caminhando pela rua, sente-se mal e tomba a um canto. Uns poucos passantes e curiosos se aproximam, comentando a situação e manifestando a necessidade de providenciar socorro. Logo, muitos o assistem. Corrijo: muitos assistem à cena. Ensaiam colocá-lo em um táxi para o hospital, mas não há quem pague a corrida. À farmácia, impossível levá-lo, porque é muito pesado. Caído, defronte à peixaria, acaba morrendo, já coberto de moscas. A trágica e curiosa situação, então, antes acompanhada quase como um show, logo se encerra, posto que já não desperta qualquer interesse. Os espectadores afastam-se aos poucos. Cena final: aproxima-se um menino e, junto ao corpo, acende uma vela, indo embora na sequência. A chuva, marca do tempo, logo apaga a chama. E fim. Não há o que reste.
Ao fazer o relato, deixei escapar um detalhe que é, certamente, sórdido: no pouco tempo de duração da tensa situação, o homem que se sentiu mal e desfaleceu foi sendo, pouco a pouco, subtraído de seus bens: sumiu o guarda-chuva e o cachimbo; seus sapatos se foram e, também, o alfinete de pérola da gravata e o relógio… Pois há gente no mundo que, mesmo com a morte às vistas, só se quer bem. Ante as misérias dos semelhantes, há quem consiga sentir-se uma ilha, inabalável em seu seguro e egocêntrico isolamento.
Tombam homens todos os dias (hoje mais do que ontem?). “Ele morreu, ele morreu” – essa frase é o soco da realidade da finitude para nós (de todos nós), ou o sinal do fim de só mais um espetáculo que nos é alheio? Enxergamos quem tomba, ou só assistimos ao tombo? Que me importa que Dario expire, se minha vida corre ao largo?
Mas há esperança, e ela se insinua em sinais. Há quem venha acender a vela – e não é por acaso que o conto a que me referi tem por título a única coisa ofertada a Dario, enquanto tudo o mais lhe fora tirado. De minha parte, temo pelo dia em que nem mais haja quem venha acender a vela. Apagada a chama, com o tempo, não resta Dario, não resta luz, não resta nada senão a escuridão. Pobre Dario. Pobres de nós, se não enxergamos Darios…