De tempos em tempos, costuma surgir no cenário político um homem dotado de carisma ou favorecido por circunstâncias especiais que, preenchendo um vazio de lideranças, acaba empolgando significativas parcelas da população, como se fosse predestinado a conduzi-la a um futuro mais promissor. É o homem providencial, chamado pelo destino para assumir a chefia de uma nação e a liderança de um povo, na percepção dos que anseiam pela chegada de novo messias. Isso ocorre, em geral, nos momentos de descrença nas instituições ou quando a classe política falha no cumprimento do seu papel. No Brasil, desde 1930, assistimos à manifestações desse tipo, que, aliás, têm se repetido ao longo da história recente.
Numa fase de declínio do pensamento liberal, tanto na Europa quanto na América Latina, o clamor pelo advento do homem providencial encontrou, entre nós, num intelectual de escol, Francisco Campos, o seu mais eloquente intérprete. Em famosa conferência proferida a 28 de setembro de 1935, o antigo político da República Velha e, depois, ministro da Justiça na implantação do Estado Novo, fazendo apologia dos regimes autoritários, dizia não haver, àquela altura, país que não estivesse “à procura de um homem, isto é, de um homem carismático ou marcado pelo destino para dar às aspirações da massa um sentido simbólico”. E, chegando ao paroxismo do seu pensamento, enfatizava: “Não há hoje um povo que não clame por um César”. Esse César, que já nos governava, desde 1930, viria a receber da Constituição concebida pelo seu pregoeiro, em 1937, os poderes que dele fariam ditador por longos anos e o tornariam, não obstante, venerado pela maior parte do povo brasileiro.
Trinta anos depois, em 1960, pelo voto livre e democrático, os nossos patrícios (entre eles incluído o autor dessas linhas) foram encontrar num político de algumas qualidades intelectuais e escasso equilíbrio psicológico (o “homem da vassoura”) aquele que seria, do mesmo modo, o salvador da Pátria. A frustração veio em menos de sete messes, com a sua renúncia.
Três outras décadas se passaram, marcadas por uma ruptura institucional, outra frustração eleitoral e fugazes esperanças de regeneração, e eis que um líder, saído das camadas populares, vem galvanizar a maioria do nosso povo e conquistar até a confiançadas elites, a ponto de ser chamado por um diplomata de carreira, a quem faria ministro do Exterior, de “nosso guia”. Tão poderoso se tornou que pôde eleger quem bem quis para sucedê-lo.
Finalmente, ante o impacto negativo de três episódios – mensalão, petrolão e recessão -, foi-se buscar, no extremo oposto do espectro político, alguém em cujo vulto seus mais entusiasmados seguidores enxergaram a figura do mito.
Por formação, não acredito nos que se julgam ungidos pela Providência Divina ou se jactam de possuir poderes messiânicos. San Tiago Dantas, no magistral ensaio sobre D. Quixote, assinalou: “Querer salvar é sublime; julgar-se um salvador é ridículo”. Confio nos que se propõem realizar governos que sejam “mais das leis que dos homens”, como queria o grande mineiro Milton Campos. Mas, sobretudo, temo a figura do super-homem, idealizada, aliás, por um filósofo que beirava a alucinação tanto nas ideias quanto no psiquismo – Nietzsche. Não me parece seja essa uma solução desejável.