O desafio de colocar no ar um programa esportivo vivido pelos jornalistas se torna uma tarefa exponencialmente mais difícil ao fim do ano, quando as grandes competições do futebol nacional são encerradas. Há algumas semanas, porém, as cenas de barbárie vistas durante 48 horas nas ruas do Rio de Janeiro e na região do Maracanã nos renderam a velha pauta sobre a violência no futebol.
Apesar de ser um meio no qual pessoas se transformam pela paixão, heróis são criados e vilões, execrados, o futebol não pode ser considerado um mundo à parte da sociedade na qual vivemos. Não se exclui o esporte de um debate de caráter sociológico apenas por ser tratado por seus aficionados de forma diferente das demais questões do cotidiano.
Para isso, é preciso entender o momento e as características da sociedade na qual estamos inseridos – o bom e velho Zeitgeist, expressão alemã para “espírito dos tempos”.
Somos uma sociedade absolutamente desigual, em um Estado que não faz a menor questão de oferecer condições de ascensão social para a classe pobre. Essa faixa social não tem acesso decente a educação, serviços de saúde e saneamento básico. A falta de infraestrutura inevitavelmente leva ao subemprego e, por conseguinte, à maior exposição e chance de entrada na seara da criminalidade – esta última, reforçada pela impunidade que reina graças a leis brandas e um Judiciário caro e historicamente ineficiente.
Somado a isso, movidos pelo medo da crescente violência urbana, tornamo-nos ainda mais individualistas e violentos. Seguindo a tendência das redes sociais, odiamos com muita facilidade. Somos racistas, homofóbicos, machistas e xenofóbicos. A violência urbana que chega ao futebol não surpreende.
Somos um país em caos institucional. Acuado por pioneiras demonstrações de força da justiça, que tenta mostrar que vale para todos, o Poder Público já nem finge trabalhar para o povo. Em conjunto, Executivo e Legislativo assumidamente atuam em causa própria em busca de mais dias longe da prisão. E por fim chegamos ao Rio de Janeiro, onde tudo o que já foi citado encontra-se potencializado por uma máquina estatal falida pela corrupção.
Sabemos que o sistema prisional brasileiro não é eficiente. Falha em sua premissa básica de punir ao mesmo tempo em que visa à reinserção do infrator na sociedade, tornando-o muitas vezes ainda mais violento. Apesar disso, não se pode ser permissivo com a violência no futebol. São urgentes a proibição da entrada de torcidas organizadas nos estádios e a aplicação da pena máxima prevista para todo tipo de delito cometido em eventos esportivos. A ineficiência das prisões do país não pode servir de álibi para a impunidade enquanto o país não toma rumos dignos na direção da redução da desigualdade social.
Mortes não aconteceram na triste noite da final da Copa Sul-Americana por um milagre. Por isso, no âmbito esportivo, faz-se necessária uma pena ao Flamengo que tenha função social no mínimo paliativa: a exclusão de competições internacionais, assim como ocorreu aos times ingleses após a famosa tragédia de Heysel, na Bélgica, em 1985. Quem pensou que os cinco anos longe de competições europeias seriam ruins para os clubes viu na punição o caminho para a solução do hooliganismo.
Os apaixonados pelo futebol insistem em dizer que ele não é só um jogo, e, por envolver a paixão, de fato não é. Porém, enquanto uma vida inocente estiver em risco por sua causa, o esporte precisa ser visto como nada além de 22 pessoas chutando uma bola.
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