O regime democrático pressupõe a observância de determinadas regras e de alguns procedimentos que regulam o exercício dos poderes constituídos, ao lado das garantias que oferece aos cidadãos para o livre gozo dos seus direitos. Mas nisso não se esgota a existência de um ambiente propício à vida democrática. Esta exige mais, requer condições outras para que se desfrute de um clima de paz e tranquilidade, sem o qual não haverá plena democracia.
Em livro recentemente publicado no Brasil, dois professores da Universidade de Harvard, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, falam na necessidade de o regime contar com indispensáveis grades de proteção, que o resguardem dos pruridos autoritários de certos governantes, cujo comportamento agressivo e belicoso pode comprometer a convivência política. Partem os autores da premissa de que o regime democrático implica não a confrontação, mas a concorrência de forças políticas contrárias, de tal modo que, sem a presença de um grupo político oponente, o governo tende a ser o governo de um só bloco ou de uma linha de pensamento apenas, ou seja, um governo autoritário.
Por isso, dizem os referidos cientistas políticos, de forma muito sugestiva, em certo trecho de “Como as democracias morrem”: “Pense na democracia como um jogo que nós quiséssemos ficar jogando indefinidamente. Para garantir as futuras rodadas, os jogadores precisam não incapacitar o outro time ou antagonizá-lo a um ponto tal que ele se recuse a jogar de novo no dia seguinte. Se um dos competidores abandona o jogo, não pode haver partidas futuras. Isso significa que, embora joguem para ganhar, os adversários precisam fazê-lo com um grau de comedimento.” Impõe-se, portanto, respeitar, uma das grades de proteção do regime: a tolerância.
Ora, a tolerância só existe onde haja respeito mútuo. Governar dividindo o país em duas alas antagônicas – o malsinado sistema do nós contra eles, em que Lula insistia – ou demonizando os adversários como inimigos do país, conforme tem feito Bolsonaro, é manter um permanente conflito em que, em vez da tolerância, impera o ódio. E isso gera um clima de intranquilidade incompatível com a convivência democrática. Tanto mais se agrava esse quadro no mundo de hoje, em que, à palavra veiculada pela imprensa tradicional, se soma a que é, continuamente, difundida pelas redes sociais, expressando, muitas vezes, inverdades, fake news, ofensas à honra, com a utilização, não raro, de robôs, programados para esses fins.
O pano de fundo do clima democrático que preconizamos é a civilidade que se espera exista num país de instituições sólidas, ou mais precisamente, a boa educação da sua elite dirigente, a conduta ética dos seus líderes. E isso é o que mais nos falta, no momento que vivemos, como ficou evidenciado na deplorável reunião ministerial cujo vídeo escandalizou a nação. Não acreditamos que a democracia esteja em risco no Brasil. Mas é fora de dúvida que a vida democrática, como a concebemos, acha-se ameaçada, entre nós, exigindo, por isso, uma tomada de consciência do nosso povo e um rigor maior na escolha dos seus representantes nas próximas eleições. Só assim poderemos salvar a convivência democrática e afastar os riscos que rondam o regime. Ou, ao menos, começar a fazê-lo.
Melhores perspectivas, certamente, só teremos quando contarmos com partidos políticos representativos, capazes de oferecer melhores opções ao eleitorado, poupando-nos da ilusão dos outsiders ou do engodo de candidatos saídos da cartola de líderes arrogantes, que se jactam de poder eleger até mesmo um desconhecido ou uma figura inexpressiva, um “poste”, enfim, como se diz no jargão político.
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