Um programa de televisão reunindo tantos negros de uma só vez, confinados numa casa e numa rede de televisão de alcance nacional e, por vezes, internacional, poderia ser o sonho de consumo de qualquer grupo considerado minoritário, quando o termo minoritário é considerado por questões de representatividade.
Mas quando nos voltamos para os estudos de Guy Debord, que explica as relações de poder estabelecidas pela imagem produzida, sejam essas imagens em mídias faladas, escritas ou televisionadas, observamos que o estudioso, em sua obra Sociedade do Espetáculo (1967), afirma que a valorização de dimensões sociais e a demonstração de exercício do poder e de dominação social sempre existiram nas sociedades. Eis aí a grande cilada.
Quando um determinado grupo social considerado, como já disse, minoritário está exposto num programa como o BBB, onde estão em jogo, além das relações sociais, as relações pessoais, todo o grupo social a que eles pertencem passa a ser visto a partir do prisma daqueles indivíduos, que, no imaginário coletivo, representam o grupo em questão, neste caso, os negros.
No caso do BBB, e em especial das pessoas que respondem pelos nomes artísticos de Nego Di e Karol Conká, observamos ainda que os dois obtiveram o maior número de rejeição já visto na história do programa televisivo. Isso mostra o repúdio da população brasileira quanto ao comportamento pessoal de tais indivíduos, mas, inevitavelmente, traz à tona alguns preceitos que ligam seus comportamentos a todo negro brasileiro, principalmente no tocante ao tratamento do negro com outro negro. Foram, então, levantadas questões como a possibilidade da existência do racismo reverso, conceito inexistente e de fácil entendimento para quem, no mínimo, tentou saber o básico sobre o conceito de racismo.
Como já foi dito anteriormente, eis a grande cilada. Num país onde o mito da democracia racial impera, confinar personalidades artísticas negras num local onde as militâncias levantadas são misturadas com as questões comportamentais de forma individual traz à tona uma espécie de desserviço a todo o caminho percorrido até aqui. Aí vem a pergunta crucial: mas não é representatividade que vocês buscam? Não é o espaço na mídia? E agora?
Sim, é a representatividade e o espaço, sim, mas se busca tudo isso em espaços do cotidiano televisivo e no dia a dia de nosso país, espaços esses que serão traduzidos em maiores presenças de negros em diferentes sítios do mecanismo social (trabalho, educação, política), e não apenas em um programa de televisão onde, conforme Guy Debord, a mercadoria chega à ocupação total da vida social, onde nada mais se vê, a não ser ela mesma (a mercadoria). Não podemos esquecer, portanto, de personalidades negras importantes como Abdias Nascimento, Lélia Gonzales, Djamila Ribeiro, entre outros.
Precisamos aprender a olhar o negro brasileiro em dois momentos, o coletivo e o individual, pois todas as pessoas são vistas dessa forma. Temos o exemplo da participante Paula, do BBB 19, que se mostrou surpresa ao ver que o responsável por esfaquear sua amiga não era um “favelado”, e sim um rapaz branco que residia no exterior. Temos também a expulsão de Marcos Harter, no BBB 17, por supostas agressões a uma participante. Tais comportamentos não fizeram com que toda mulher branca fosse vista como preconceituosa, nem que todo homem branco fosse visto como agressor. Nesses casos, foram observadas as individualidades, e não a coletividade. Isso é correto, mas deve ser aplicado ao negro também. Aí fica a pergunta: cilada ou representatividade?
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