Contemplemos a gruta de Belém, que nos revela o Deus Menino, pois o aspecto mais sublime da dignidade humana está na vocação do homem à comunhão com Deus.
Num mundo tão marcado pelo consumo e pela idolatria do prazer, somos pressionados e continuamente chamados a pensar que a alegria do Natal nasce ou depende, em primeiro lugar, das festas, dos presentes e dos enfeites coloridos, ou então de uma mesa bem farta de guloseimas. Sem tais coisas materiais e prazerosas, diriam muitos, não haveria graça o Natal.
É verdade que esses símbolos natalinos são importantes e devem refletir e anunciar a alegria interior diante do mistério transcendente ocorrido em Belém. Mas lembremo-nos que aquele primeiro Natal, em Belém, que irradiou definitivamente a luz de Deus para o mundo, foi marcado pela simplicidade e pela pobreza material, justamente para destacar que a verdadeira felicidade e a verdadeira luz nascem do alto, e não das riquezas perecíveis deste mundo efêmero.
Assim, a pobreza da manjedoura de Belém irradia uma riqueza infinita! A riqueza de Jesus encontra-se na sua divindade, que Ele nos oferece por amor e com amor, porque, sem o Criador, a criatura se esvai. Nesse sentido, o apóstolo Paulo pôde dizer que “Jesus Cristo, sendo rico, se fez pobre por vós, a fim de vos enriquecer por sua pobreza” (2 Coríntios 8,9).
O Concílio Vaticano II diz que os cristãos “devem buscar e saborear as coisas do alto. Mas, com isso, de modo algum diminui, antes aumenta a importância do seu dever de colaborar com todos os outros homens na edificação de um mundo mais humano” (Concílio Vaticano II: GS, 57).
O mundo é bom, porque foi criado por Deus, e, portanto, deve-se evitar aquela tendência antinatural e pessimista que nega o mundo e seus valores. Mas o Natal nos chama à transcendência, a uma ordem sobrenatural, porque, como diz Jesus, “o meu reino não é deste mundo” (João 18,36). Verdadeiro Deus e verdadeiro homem, Jesus Cristo pôde dizer: “Eu sou a luz do mundo; o que me segue não andará nas trevas, mas terá a luz da vida” (João 8,12).
Num mundo caracterizado pela dispersão, pelo indiferentismo religioso, pela incredulidade, pelas idolatrias, pelos fanatismos e pelas superstições, o Natal nos anuncia aquele que é “o caminho, a verdade e a vida” (João 14,6). “A verdade profunda, tanto a respeito de Deus como da salvação dos homens, manifesta-se-nos por esta revelação na pessoa de Cristo, que é simultaneamente o mediador e a plenitude de toda a revelação” (Concílio Vaticano II: DV, 2).
Por que existe o Natal? No século IV, o teólogo São Gregório de Nissa respondeu assim: “Doente, nossa natureza precisava ser curada; decaída, ser reerguida; morta, ser ressuscitada. Havíamos perdido a posse do bem, era preciso no-la restituir. Enclausurados nas trevas, era preciso trazer-nos à luz; cativos, esperávamos um salvador; prisioneiros, um socorro; escravos, um libertador. Essas razões eram sem importância? Não eram tais que comoveriam a Deus a ponto de fazê-lo descer até nossa natureza humana para visitá-la, uma vez que a humanidade se encontrava em um estado tão miserável e tão infeliz?”. Essa resposta de São Gregório permanece atual e oportuna diante de nossas inseguranças, não apenas físicas em razão deste vírus, Covid-19, que ameaça a vida, mas sobretudo diante daquele antigo e sempre ameaçador vírus da incredulidade e do ceticismo que ameaça a alma. “Que aproveitará o homem se ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?”, pergunta Jesus (Marcos 8,36).
Ninguém deve se sentir solitário no Natal em razão dessa pandemia ou de outros problemas, porque o Deus Menino que nasce em Belém é luz e alegria para todos, sobretudo para os oprimidos (Mateus 11,28). Que todos possam viver caminhando serenamente entre as coisas que passam, mas sempre abraçando as que não passam, “as coisas do alto”! Desejo a todos um santo e abençoado Natal!